sábado, 2 de julho de 2011

Schopenhauer e Charlie Brown: reflexões filosóficas

Conforme prometido num dos posts passados, tentaremos aqui tecer, em sucinta análise, algumas considerações acerca da conexão existente entre estes dois personagens, se assim pudermos chamá-los.


O primeiro deles é um personagem real. Arthur Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX (22/02/1788 — 21/09/1860 ) e influenciou tantos outros importantes pensadores (Nietzsche, Heidegger, etc.). O segundo (este um personagem das tiras e dos desenhos animados) é o garotinho Charlie Brown, criação do brilhante Charles Schulz.


Mas afinal, o que é que une essas duas figuras? Que tipo de relação pode se estabelecer entre o pensamento do filósofo e o personagem atrapalhado e introvertido das tirinhas?

A Vontade – conceito que assume grande relevo na obra de Schopenhauer – talvez seja o eixo que nos permitirá compreender a relação aqui proposta.

Para Schopenhauer a Vontade é essencialmente um impulso cego e irracional, que nos move a tomar decisões, agir desta ou daquela forma, empreender, arriscar, desejar. Nossa essência real é, portanto, o desejo (a Vontade). Contudo, o mesmo impulso que nos alavanca à vida, à vontade de viver, nos pode ser potencialmente prejudicial, destrutivo.

Definitivamente, Schopenhauer não vê o desejo como algo a ser glorificado. Pelo contrário, a ele devemos resistir. Se possível aniquilá-lo, visto que é todo esse desejo a causa do nosso sofrimento. Em nossas existências, empenhados na busca de certos fins, temos desejos ilimitados e inexauríveis. Porém, a cada desejo satisfeito, um novo surgirá. E a cada indivíduo satisfeito em seus desejos, outros tantos terão frustrados os seus.

Christopher Janaway, relendo o pensamento do filósofo alemão, ensina que “Tudo na vida proclama estar essa satisfação dada à frustração, ou ser reconhecida como ilusão.”

Aqui faremos uma breve pausa para, em seguida, retomarmos nossa reflexão. Nesse recomeço nos deparamos com nosso pequeno objeto de indagação: Charlie Brown.

Charlie Brown, a partir da perspectiva que acima se explicitou, amolda-se perfeitamente, em vários aspectos, ao que apontara o filósofo. A vida do pequeno personagem cinge-se enormemente a uma existência de sofrimento, frustrações, insatisfação contínua, derrotas e abatimento.


O personagem de Schulz deseja pequenos feitos, pequenas coisas. Ilusões e sonhos que alimenta, na esperança de tornar sua vida menos enfadonha. Objetivos passageiros, pequenas vitórias que possam amainar sua Vontade. Vontade de ser mais, vontade de amar, de ser amado, de ser reconhecido, vontade, enfim, de gozar da vida algum momento de ‘felicidade’. Sua existência individual, contudo, é tímida, pálida, apagada.

Charlie Brown – o personagem principal das tiras de Charles Schulz – é em essência um anti-heroi. É um garoto melancólico, cheio de preocupações e dono de um humor destrutivo, pessimista.

Geralmente assume a figura daquele que fracassa, apesar de sua boa vontade, de certa ingenuidade. Seus intentos, via de regra, não se realizam. Seja nos esportes, onde sempre está do lado que perde (no futebol americano, seu time nunca vence e ele é um dos fatores para que isso ocorra). Seja quando tenta conversar com a ‘garotinha ruiva’, eterna paixão platônica. Seu bordão é o famoso "que puxa!".

Em Parerga e Paralipomena, Schopenhauer assevera o seguinte:

...observo que as diferenças fundamentais na sina dos homens podem ser reduzidas a três classes distintas: (1) O que um homem é, ou seja, sua personalidade no sentido mais amplo. Isso inclui saúde, força, beleza, temperamento, caráter moral, inteligência e educação. (2) O que um homem tem, ou seja, propriedades e posses em todos os sentidos. (3) O que um homem representa; sabemos que por meio dessa expressão entende-se o que um homem é aos olhos dos demais e, portanto, como é representado por esses. Consiste, assim, na opinião desses ao seu respeito, e pode ser dividida em honra, posição e glória.

Então, tendo por fundamento o pensamento de Schopenhauer, podemos nos perguntar: que ‘homem’ é esse Charlie Brown aos olhos dos demais? Que representação é feita de sua individualidade?

 Uma possível resposta é a que traz consigo o próprio garoto das tirinhas. A imagem do indivíduo que prefere o sofrimento à inexistência. Um ser de frustração e de dor, que merece um pouco da compaixão dos demais personagens ao seu redor – também envoltos com seus fins a alcançar, com suas vidas a preservar.


Na maior parte dos episódios, sofre. Sofre positivamente, pois só assim se define como alguém. Sabe que cedo tornará a sofrer mais, e por isso vive. E ao viver, nega quase sempre o querer. Fazendo tão-somente parte de um mundo em que passeia com sua solidão.


Num adendo, poderíamos dizer que Charlie Brown é o contraponto de outro personagem da famosa série de quadrinhos. Seu contraponto chama-se Snoopy: o cãozinho inteligente, sonhador, sagaz, contestador, revolucionário, irreverente (dorme por sobre o telhado e não dentro de sua casa).

Nele podemos vislumbrar a Vontade de vida. Em Charlie Brown não.


Outra vez buscando abrigo nas idéias de Schopenhauer, temos que

... aquilo que um homem é por si mesmo, aquilo que o acompanha em sua solidão e aquilo que ninguém pode proporcionar ou subtrair, obviamente, lhe é mais essencial que tudo o que possui, ou mesmo ao que pode ser aos olhos dos outros. Um homem de intelecto, em completa solidão, encontra um excelente entretenimento em seus próprios pensamentos e imaginação, enquanto a contínua diversidade de festas, peças, excursões e diversões é incapaz de proteger um tolo das torturas do tédio.

A negação da vontade de viver, é pois, um traço característico do personagem. Como em Schopenhauer, Schulz parece querer indicar, através do desencanto de Charlie Brown, a mesma fonte assinalada pelo Budismo, ao buscar o estado sublime de felicidade (Nirvana) justamente numa fuga do real. No silêncio e na renúncia sistemática da realidade.


Por Rogério Rocha 

Referências: 

Wikipedia
SCHOPENHAUER, Arthur. Parerga und Paralipomena (Aphorismen zur Lebensweisheit). Trad. André Díspore Cancian.
JANAWAY, Christopher. Schopenhauer. São Paulo: Loyola, 2003.







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