sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Favorecimento à prostituição e o consentimento da vítima (artigo: Cezar Roberto Bitencourt)



Fonte da imagem: http://hypescience.com/prostituicao-um-terco-dos-estudantes-alemaes-encararia-trabalho-sexual/
No que diz respeito à notícia da condenação do proprietário da boate Bahamas por favorecimento à prostituição, já nos manifestamos anteriormente sobre a validade do consentimento do ofendido nos crimes previstos no Capítulo V, dos crimes contra a dignidade sexual (Título VI do Código Penal):
É válido o consentimento do ofendido nos crimes previstos no Cap. V e que tenham sido praticados sem violência, grave ameaça ou fraude?
Todas as pessoas maiores têm o direito e a liberdade de orientarem sua vida sexual da forma como quiserem, inclusive de se prostituírem; podem exercer sua sexualidade, satisfazer seus instintos e fantasias sexuais livremente, desde que não violem direitos de terceiros, especialmente de menores. Nesse sentido, é o magistério de Luiz Flavio Gomes:
“As pessoas maiores contam com a liberdade de darem à sua vida sexual a orientação que quiserem. Podem se prostituir, podem vender o prazer sexual ou carnal, podem se exibir de forma privada etc. Só não podem afetar direitos de terceiros (nem muito menos envolver menores)”. Por isso, apesar dos falsos moralismos, ao longo dos séculos, desde Maria Madalena, o exercício da prostituição continua sendo uma atividade lícita (embora moralmente questionável), a despeito da existência de rufiões e proxenetas, aliás, estes, somente estes, é que devem ser criminalizados pela exploração ilícita que fazem das pessoas prostituídas.
Como destaca Nucci: “Dissemina-se na sociedade a prostituição, que não é punida em si, mas ainda subsiste o tipo penal que pune o indivíduo que contribui, de alguma forma, à prostituição alheia. Ora, se a pessoa induzida, atraída, facilmente inserida ou impedida (por argumentos e não por violência, ameaça ou fraude, que configuraria o § 2º) de largar a prostituição é maior de 18 anos, trata-se de figura socialmente irrelevante”.
Com efeito, a sociedade, ao longo dos tempos, não só convive com a prostituição como entende, tolera e aceita não apenas a prostituição como as próprias prostitutas, que convivem normalmente no meio social. Razões as mais variadas podem levar alguém a prostituir-se, inclusive a falta de opção para sobreviver, embora não interesse aqui questionar esses fundamentos, mas apenas destacar o direito de as pessoas direcionarem sua sexualidade como melhor lhes aprouver. Aliás, ao longo de mais de vinte e cinco anos de magistério superior, tivemos, como nossas alunas, inúmeras meninas que mantinham seus estudos trabalhando como “garotas de programa”, e nem por isso eram piores ou diferentes das demais. Certamente, não era uma simples opção de vida, mas imperiosa necessidade para manterem-se na universidade.
Mas nem todas podem exercer a prostituição com a comodidade de uma “garota de programa”, necessitam de um local adequado, de preferência o melhor lugar possível. Por essa razão, basicamente, as prostitutas procuram, batalham, lutam para serem aceitas nas denominadas “casas de prostituição” ou “estabelecimentos em que ocorra exploração sexual”. Em outros termos, lutam, prostituem-se, sobrevivem nesses locais, por vontade própria, livremente, sem coação ou imposição de natureza alguma, ou seja, consentem em trabalhar e até viver (muitas delas) nesses “locais” destinados a prostituição, atos de libidinagem ou a exploração sexual, como quer o atual legislador.
Ora, todos estamos de acordo que a prostituição e, consequentemente, seuexercício são atividades lícitas permitidas e aceitas pela sociedade não hipócrita (os hipócritas fazem que censuram). Como a liberdade sexual é um direito de todos, e a prostituição não só não é crime, como é permitida, isto é, lícita, a sua proteção penal dirige-se a um bem jurídico disponível, seja qual for a concepção que se tenha sobre o tema. Enfim, estamos chegando ao ponto a que queríamos chegar, qual seja, examinar os efeitos do “consentimento do ofendido” em se deixar explorar em estabelecimento em que pode ocorrer (a lei fala em que ocorra) exploração sexual”. Vejamos a seguir.
Superado o questionamento sobre a admissibilidade de causas supralegais de exclusão da ilicitude (antijuridicidade), a doutrina passou a defender oconsentimento do ofendido como uma delas, na hipótese de bens jurídicos disponíveis. Mas somente o consentimento que se impõe de fora para dentro, para excluir a ilicitude, sem integrar a descrição típica. Elucidativo, nesse sentido, é o magistério de Assis Toledo, que afirmava: “Não vemos, entretanto, no momento, espaço no Direito brasileiro para outras causas supralegais de justificação e menos ainda para o extenso rol de causas legais, geralmente citado nos tratados de origem alemã. É que, entre nós, a inclusão, no Código Penal, como causas legais, do exercício regular de direito e do estrito cumprimen­to do dever legal,inexistentes no Código alemão, faz com que tais causas legais operem como verdadeiros gêneros das mais variadas espécies de normas permissivas, espalhadas pelo nosso ordenamento jurídico, abrangendo-as todas”.
No entanto, ao se examinar a natureza e a importância do consentimento do ofendido, devem-se distinguir aquelas situações que caracterizam exclusão de tipicidade das que operam como excludentes de antijuridicidade. Na verdade, se fizermos uma análise, ainda que superficial, constataremos que em muitas figuras delituosas, de qualquer Código Penal, a ausência de consentimento faz parte da estrutura típica como uma característica negativa do tipo. Logo, a presença deconsentimento do ofendido afasta a tipicidade da conduta que, para configurar crime, exige o dissenso da vítima, como, por exemplo, era o caso do crime de rapto(art. 219, já revogado), da invasão de domicílio (art. 150), da violação de correspondência (art. 151) etc. Outras vezes, o consentimento do ofendidoconstitui verdadeira elementar do crime, como ocorria, por exemplo, no rapto consensual (art. 220, também revogado) e no aborto consentido (art. 126). Nesses casos, o consentimento da vítima é elemento essencial (constitutivo) do tipo penal.
Enfim, são duas formas distintas de o consentimento do ofendido influir natipicidade: para excluí-la, quando o tipo pressupõe o dissenso da vítima; paraintegrá-la, quando o assentimento da vítima constitui elemento estrutural da figura típica. De qualquer sorte, nenhuma dessas modalidades de consentimento configura o consentimento justificante, isto é, com aquela função, supralegal, de excluir a antijuridicidade da ação. Mas o consentimento justificante poderá existir quando decorrer de vontade juridicamente válida do titular de um bem jurídico disponível. O consentimento do titular de um bem jurídico disponível — como é oexercício da prostituição no local em que desejar — afasta a contrariedade à norma jurídica, ainda que eventualmente a conduta consentida venha a se adequar a um modelo abstrato de proibição. Nesse caso, o consentimento opera como causa justificante supralegal, afastando a proibição da conduta, como, por exemplo, nos crimes de cárcere privado (art. 148), furto (art. 155), dano (art. 163) etc.
Pois é exatamente o que ocorre com o exercício da prostituição, em que as prostitutas consentem, livremente, em praticá-la em locais adequados, como são as denominadas “casas de prostituição” ou, atualmente, os “estabelecimentos em que ocorra exploração sexual”. Em outros termos, a conduta dos proprietários, gerentes ou responsáveis por esses “estabelecimentos” até pode ser típica, mas não será antijurídica se ficar demonstrado o consentimento das supostas ofendidas. Nessa linha, complementa Luiz Flavio Gomes, “As pessoas maiores frequentam essas casas se quiserem (e quando quiserem). São livres para isso. Nos parece um absurdo processar o dono de um motel ou de uma casa de prostituição, que é frequentada exclusivamente por pessoas maiores de idade, pois a utilização desse recurso dogmático — consentimento do ofendido — impede que esse absurdo de que fala Luiz Flavio Gomes se concretize.
Fonte: Atualidades do Direito

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