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terça-feira, 2 de novembro de 2021

PERDIDOS NA NOITE (um conto de Rogério Rocha)

Foto tirada no(a) Rua Grande por Ernanig em 10/11/2013  

 Foto: Internet - Foursquare

 

 

Zé Lipaté e Maninho voltavam do Reviver em altas horas. Madrugada de bêbados no Centro velho da cidade. Hippies, prostitutas, gays e turistas haviam ficado para trás. Passavam já do Largo do Carmo e iam a passos rápidos rumo a suas casas, quando resolveram atravessar a Rua Grande. Queriam chegar à Rua do Passeio. Depois desceriam para as bandas da Madre Deus, onde moravam.

No meio da maior rua do comércio popular de São Luís, deserta àquela altura, conversavam sobre os resquícios da noitada, o som na galeria em que estavam, umas garotas que encontraram por lá, quando viram sair do canto da rua Godofredo Viana um velho muito feio. Um traste fedorento que assustou os dois amigos ao pigarrear e cantar uma música das antigas, ao passo em que seguia, um tanto manco, o rumo da calçada da dupla, chegando perto e perguntando:

- Quê qui cêis fazem três horas da madrugada no meio da rua, ças crianças? Cês são muito pepêto pra dar banda em minha área mora dessas!

- Porréessa, rapá! Pra lá, mala velha! – disse Lipaté, espantado.

- Ignora, brodi! Ignora! – retocou Maninho.

- Mas gente, cês passaqui assim de boa, sem me prestá menage!?

- Ménage???Ménage é o carai! Tira logo pra fora fedô! – esbravejou Maninho.

Os dois seguiam seus rumos em passos ainda mais rápidos, no sentido da Rua do Passeio, que, infelizmente, parecia que nunca chegava.

Lá pelo meio da Rua Grande eram ainda seguidos pelo habitante da noite, que ora ia pra um lado, ora pra outro, chafurdando com os garotos, rindo e tombando sem perder o passo do acompanhamento.

Maninho então pensava de si para si enquanto olhava de esguelha o amigo de jornadas, tentando, também às pressas, encontrar um modo de se livrar daquele traste.

- Peste, capa o gato que é! Tá me enchendo já! Se tu não fô imbora logo eu juro que te jogo dentro da fogueira santa de Israel. Copiou? – falou sério Lipaté.

- Ouviu aí, né?! – reforçou Maninho.

- Vou secês dé um quarqué cois pra mim. Um mimo quarqué já vale. Senão vô continuá companha cês atééééé...

Os amigos bêbados entreolharam-se ao lembrarem da metade de um litro de catuaba que havia dentro da mochila de Maninho. Rápido a retiraram de dentro e a ofereceram para o enjoado.

- Toma, pô! Taí, ó! Taí! É da boa, viu! Pode bebê quinda tem metade da garrafa.

Recebendo a garrafa nas mãos e soltando um grito de contentamento, pulou de euforia, gargalhou e chamou umas perdidas que estavam ali por perto e, do nada, saíram, quase ao mesmo tempo, de ruas transversais por onde haviam acabado de passar. Naquela hora, surgiram duas desgrenhas da mesma qualidade do amargoso, juntando-se aos três, logo após.

Ao tempo em que aquelas criaturas começaram a disputar a pobre garrafa de catuaba, Maninho e Lipaté trataram de correr. Saíram a todo gás, com medo do que poderia vir depois. Deixaram para trás os funestos habitantes do nada no meio do silêncio da Rua Grande.

Depois de chegarem nas imediações do Hospital Socorrão I, cansados, mas sorridentes, os jovens trocavam gozações.

- Porra, Mano! Agora temo história pacontá, ó! Tá doido, doido!

- Rapá, ças coisas só acontece com a gente mesmo! Vou te dizê!

- Não é ??!!! Mas daqui pra ali agora é na fé, bicho. Depois dessa o caminho tá limpo e é todo nosso.

- Tá é certo, ó! Depois duma porra dessa, o quê de ruim pode acontecer, né!?

Instantes depois de virem ao mundo o som dessas palavras, viram surgir do rumo do Caminho da boiada um homem com um charuto na boca, barba branca e chapéu na cabeça, que resolveu ficar encostado no canto do edifício Malvina Aboud. Parou e permaneceu lá – justamente onde passariam – olhando em suas direções. Enquanto isso, as luzes dos postes das redondezas começaram a piscar. 

Pelo jeito, a noite ainda lhes traria algumas emoções.

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

ASSINADO, ALFREDO [conto de Rogério Rocha]


Quanto mais conheço os homens, mais me aproximo das mulheres - O outro lado  da notícia

por Rogério Rocha

 

Nina escamoteava com êxito sua homossexualidade, vivendo 10 anos em relação conjugal com Alfredo. Contudo, amava mesmo era Selma.

Amava e muito. Era com ela que suas excitações se concretizavam. Era sempre a ela que recorria, em saídas anônimas, quando dos encontros movidos a álcool e beijos de paixão. Seu universo de mentiras mixava dramas e sonhos, realidade e esperanças. Um dia, entretanto, imaginava poder ainda desfraldar de vez aos olhos da sociedade a verdade que escondera.

Afinal, embora enfeixada por ciúmes, a relação de Nina com o esposo lhe era útil. Um verdadeiro presente para a ex-menina pobre que encontrara num homem de condições econômicas bastante favoráveis o porto seguro para as antigas carências materiais, para o desejo de felicidade, conforto e ascensão social. Algo que enfim tivera nessa uma década.

Mas como na vida tudo está atado à inexorável ordem do que lhe é finito, um dia descobre-se ali adiante uma última estrada, um último gole, o capítulo fatal daquele enredo. Com Nina não seria de outra forma.

Após anos de desconfianças, o respeitado cirurgião plástico, professor universitário, 15 anos mais velho que a esposa, teve acesso aos indícios e depois às provas da recorrente infidelidade que sofrera. Caíra enfim o pano das aparências. Em seu lugar viu-se surgir um espetáculo de fotos, imagens, e-mails, vídeos, áudios e ligações telefônicas conseguidas por um investigador particular que Alfredo contratara.

O efeito daquele vendaval motivou a ira, depois a decepção, a amargura, a dor e, enfim, o pior de todos os desejos: o de vingança. Mas quando não se tem coragem para desvirtuar uma biografia com a cessação do problema por meio do atingimento do seu causador, busca-se debelar a causa.

O marido de Nina fez de tudo. Inclusive clonar o número do telefone celular da esposa para corresponder-se com a amante dela. E foi por meio de mensagens de texto e da posse da informação sobre o endereço de Selma que pôde, então, encerrar um drama dando início a outros.

Domingo, 10 horas da manhã, prédio onde mora a amante. Nina chega sorridente, transparece em sua face aquela satisfação que temos ao rever alguém especial. Passa pela portaria, chama o elevador, sobe ao décimo andar, caminha até a porta, insere e vira a chave da porta, abre-a e entra.

O apartamento está arrumado e com as janelas abertas. Joga sua bolsa sobre o sofá da sala de estar. As cortinas brancas balançam suaves ao vento. A tv da sala, ligada num canal de filmes antigos, passa Casablanca.

Nina chama pelo nome do seu amor. Uma, duas, três vezes. O silêncio do ambiente contrasta com o seu sorriso. A intimidade a leva até o fim do corredor e o acesso ao quarto principal é tranquilo. Selma está lá, sobre a cama, deitada na posição de costume.

- Oi, amor! Dormindo até essa hora? – perguntou Nina.

Ao dar conta da cena tétrica, o sorriso congelou-se no rosto, esmaeceu e apagou-se numa fração de segundos. Apagado também estava o olhar de Selma. Perdido num ponto qualquer do teto. No pescoço abria-se um rasgo, de um lado a outro, abaixo do maxilar. No travesseiro o sangue não tão recente. Ao lado do corpo um bilhete com uma letra que lhe era familiar, dizendo: “Agora conheço teu segredo. Não caberá mais em teu coração, nem dentro das tuas mentiras. Eu te odeio! Assinado, Alfredo.”

domingo, 20 de dezembro de 2020

UM SOPRO DE VENTO EM MEU ROSTO

Rogério Rocha
Rogério Rocha (filósofo e escritor)


Por Rogério Henrique Castro Rocha

 

Bateu com as mãos seis vezes sobre seu peito. Um tronco forte, forjado na luta cotidiana e em anos de saga no trabalho das fazendas do interior. Punho cerrado, braço forte, como o peso de um porrete. Vi no gesto algo como um primata em ambiente natural, num alarido que aos outros soaria quase como um ritual bárbaro. Uma forma extrema de reafirmação de seu poder.

Gritou, esmurrou, socou. Primeiro o peito dele, depois o meu. Sobre o dele os murros eram como impulsos de energia, a potencializar ainda mais a dinâmica daquele momento. Uma prévia da ação. Sobre o meu, era como se uma carreta estivesse por me esmagar. Era quase um coice de cavalo bravo.

Bateu com força e esbravejou. Sempre que fazia isso era a meio metro de distância, deixando a espuma respingar dos cantos de sua grande boca. Aquela mesma que um dia, sedenta, desfrutei ao beijar a primeira vez. É... Quem diria.

Apesar dos meus pedidos, era incapaz de parar. Minha alma estava pálida àquela altura. Meu rosto também. Mas depois mudaria para pior, ficaria rubro, vermelho. Nele o sangue, a fraqueza, a frouxidão...

Ele veio com tudo. Sim. Veio com fome de mim. Distribuiu um golpe seco, chapado, com a palma da mão cheia de calos sobre a minha face. Afinal, o trabalho na obra nunca o dignificara. Nunca, nunca mesmo.

Ele bateu em seu peito de rinoceronte. Bateu, depois cuspiu sobre mim. Empurrou-me sobre a mesa da cozinha. Com os braços esticados em sua direção, as mãos querendo proteger o rosto, retruquei com algumas palavras tímidas que nem sei quais foram. Mas não importa! Para mim nada importa hoje. Para ele menos ainda.

Fui tímida a vida toda. Tímida e tola. Sobretudo quando deitava na cama para que o seu pesado corpo, ainda não banhado, me amassasse com frenéticas investidas, que bagunçavam tudo dentro de minhas entranhas.

Algumas vezes percebi ser eu a fonte daquela gênese de sentimentos, mas tudo muito confuso. Ciúmes e posse, amor, violência, querer e ceder. Depois, mansamente, fui recuando para dentro do meu deserto de esperas e falsas esperanças. Espera pelo que nunca seríamos e esperança pelo que deixaria de ser também, muito brevemente.

O café que derramei sobre o pano da mesa, quando contra ela me choquei, estava preto. Sem um pingo de leite. Preto, preto, simples como a vida. Sem açúcar também, isso lembro. Mas não consegui pegar o pote, pois foi justo quando ele chegou do trabalho. Estava tarde. Era tarde mesmo, eu sei. Mas parece que para mim tudo é tarde já faz um tempo.

Sofri em desespero com as descargas de adrenalina que faziam daqueles olhos verdes, que me fulminavam segundo após segundo, um lago de insanidade. Também sofri pelos trancos que minha coluna pegou, pelos trincos que a cervical devia ter, por causa daquelas mãos pegajosas atadas aos meus braços, a me sacudir como se fosse uma boneca de pano em tamanho gigante.

Foi quando girou rumo à porta que dava para o pequeno quarto dos gozos que eu não mais tivera, em busca do cinto que sempre usava, que abri a gaveta do armário da cozinha, tirei a faca de pão e a escondi atrás de mim. Na volta, com a mão direita a esmagar minhas bochechas, num breve deslize da guarda, antes de outra surra, enfiei de um golpe só o pequeno instrumento no lado esquerdo de sua garganta. Foi duro, rápido, urgente. Quase um flash para mim, a eternidade para ele.

Ouvi um urro de leão ecoar no espaço diminuto da nossa casa, um corpo imenso a cair no chão esperneando, debatendo-se como um porco a estrebuchar. Paralisada, devorei com os olhos lacrimosos a imagem daquele monstro, já nas últimas. Até o ponto em que pude, eu o encarei, navegando em velocidade da luz as memórias destroçadas de uma história de constantes desassossegos.

Depois do que vi, não tive mais pena, medo, dor, cansaço. Saí sem trancar a porta. Sem olhar ao redor. Mãos sujas de sangue. Deixei naquela casa minhas roupas e o pouco que construí com o meu carrasco. Num rumo incerto, passei a correr mais leve, mais rápido. A alma então, outrora pesada, bem mais que a sombra frágil do meu corpo, fugia em disparada.

Era noite. Ia eu embora pela rua deserta. Chorava e sorria, num descontrole que lembrava o jorro de ar na torneira, quando a água chega. Por mero influxo, o riso me tomou a face, lambeu meus lábios, limpou todo o sangue. Ao mesmo tempo, sentia, com prazer, um sopro de vento que beijava meu rosto e um forte arrepio, da coluna à nuca, enquanto descia a ladeira em direção ao nada daquela vida que acabara e ao tenso encontro com a liberdade de uma incerta madrugada.

terça-feira, 27 de outubro de 2020

COMENTÁRIOS SOBRE O LIVRO DE POEMAS "PEDRA DOS OLHOS" (TEXTO DO ESCRITOR CHARLES SIMÕES)


Reproduzo aqui um texto de autoria do escritor maranhense Charles Simões, onde tece considerações sobre a leitura de meu livro de poemas "Pedra dos Olhos". Boa leitura!

 
"Não sou crítico, mas se entendesse das coisas que necessitam de crítica talvez lesse um pouco mais, não para fazer uma crítica mas uma reflexão a partir das reflexões que me foram postas pelos textos que me foram apresentados.Como não sou crítico nem poeta, direi umas palavrinhas a respeito desta obra que acabei de ler depois de ter lido o autor que me impulsionou a ser um dos seus leitores a partir de um texto que postara hoje neste 27 de outubro que não é de Francis Cabrel.
 
A obra é " Pedra dos Olhos" da Editora Hamsa e o autor é o maranhense Rogério Rocha, professor e filósofo. Eu já conheço o autor e por vezes que nos encontramos ocasionalmente, Rogério, educado e cortesmente sempre nos permitiu um dedo de prosa, mas aquela prosa que se alguém não parar para ir-se embora, ficaria- se horas e horas. Na maioria das vezes, ele está sempre acompanhado de meninos simples mas que respiram poesia, embora digam não ser poetas.
 
Hoje, com um tempo de sobra, olhei a rede social de soslaio e encontrei o texto do artista se indagando a respeito dos tipos de leitores que o leriam. Achei- me no direito, sem pedir licença, de ser um leitor seu ou da sua obra. Já tinha visto no dia que adquiri o livro que a apresentação fora feita por Saulo Barreto que sempre tem o prazer de dividir e compartilhar ideias com o nobre filósofo e conforme o final da apresentação se acha um amigo menor.
 
Eu li a obra em um fôlego e simplesmente senti muito prazer ao fazer tão boa leitura. Não sou um leitor eficiente para leitura de textos deste calibre, até porque não sou poeta, mas cada poema deixava- me extasiado. Rogério Rocha não dispensa uma boa escolha lexical e de maneira muito disciplinada não segue regras impostas pelas regras dos doutores em poema e que muitas vezes entendem pouco de poesia, afirmação minha, como um homem simples no ato de pensar, porque poesia brota de dentro da gente como dizia outro grande poeta José Chagas.
 
Eu tenho a sensação que o poeta/filósofo, nunca finalizou um poema em um só dia, eu acho que sentava, e no silêncio de sua calma, ele matutava e matutava, para em versos brancos apresentar uma rica poesia que sempre traz um ritmo e métrica tão bem colocados que só depois do verso lido você percebe ser branco porque além de ricos em ritmos são muito marcados por uma métrica própria.
Não me peçam para explicar isso, adquiram a obra e tirem suas dúvidas, eu tenho plena consciência que o autor sabe sobre tudo e dialoga sobretudo sobre as coisas humanas e ele se preocupa como um poeta grande que não deixa os menores problemas serem passados em branco pois em brancos versos versa sobre tudo que lhe vem à mente.
 
Cada poema tem uma natureza singular, o dito está no que diz porque era preciso dizer e quando talvez não diz a gente encontra porque descobre que era aquilo que queria dizer. Todos os poemas são uma riqueza de poesia mesmo que venham interpolados com a crônica, mas percebi um grand poeta quando apresentou Nauro Machado um dos últimos poetas grandes que nasceu na nossa cidade que transpira poesia como as de Gonçalves Dias, Ferreira Gullar e tantos outros mais.
 
E aqui jamais eu digo que os demais não são poetas, são sim, mas que Nauro era daqueles poetas que fez da poesia a sua morada, às vezes quando se via com seu guarda- chuva e o seu silêncio, andando devagar na singela cidade, às vezes tão mal cuidada, o poeta construía tão primorosas poesias que cheias de magia nos encantavam como encantado fiquei ao ler todos os poemas de Pedra nos Olhos de Rogério Rocha. 
 
Nobres amigos leitores se desejam encantar-se ou se deixar encantar por tão rica, nobre e arrojada poesia leia a obra e tire suas próprias conclusões, pois podem crer que eu sou suspeita. 

domingo, 19 de abril de 2020

Vida de cão (As crônicas de Maurício)




Rogério Rocha (poeta, escritor, filósofo)
No condomínio mora muita gente. São quatro etapas com sete blocos cada. Cada bloco com doze apartamentos, divididos em três andares. Neles, muitas famílias: adultos, crianças, jovens, idosos e conflitos, como é inevitável em lugares em que muitos residem.

Como não poderia deixar de ser, tem quem goste e odeie animais. 

É um lugar onde há muitos felinos, é bom dizer. Gatos, gatas e seus filhotes criaram verdadeiras comunidades dentro da comunidade. Desse modo, cada bloco tem lá seus dez a quinze gatos, quase plenamente integrados ao cenário interior do conjunto. 

Digo quase porque, afora os que tem donos e vivem suas vidas mansas dentro dos apartamentos, os que transitam no mundo exterior são alvos constantes de moradores que os odeiam e aspiram um dia vê-los todos empalhados em estantes, atropelados pelo carro da coleta de lixo, quem sabe até fritos em espetinhos servidos em botecos ou simplesmente fora deste ambiente social ocupado por humanos. 

Existem, de outra parte, aqueles que os defendem e lhes dão bom trato, cuidando de alimentá-los e municiá-los com água potável e ração, com regularidade e em horários britanicamente observados. 

Há uns quatro anos, contudo, surgiu por aqui um cachorro. Abandonado, adentrou a área dos blocos e passou a dormir nos tapetes da porta de entrada de alguns prédios. A princípio rechaçado, foi ficando, ficando... Hoje já faz parte da ambiência e responde pelo nome de Maurício. 

Foi adotado pela comunidade intramuros e alçou-se ao patamar de cão coletivo. 

Não me perguntem quem deu a ele este nome. Nome bonito, por sinal, e nome de gente (a primeira vez que ouvi alguém chamá-lo energicamente, pensei que fosse algum novo morador que chegara).

Sei que Maurício, hoje alegre e faceiro, é um misto de cão sem raça definida e Labrador Retriever; ícone das manhãs iluminadas, das tardes chuvosas e das noitadas sonolentas. Ora a perseguir outros dogs, ora a implicar com os gatos, correndo feito louco pelo jardim, ou a encarar os transeuntes com seus mimos e assédios. 

O cão muitas vezes age como um ator. Em sua performance mais costumeira apresenta aquilo que poderíamos chamar de falso ataque. Vai ao encontro de alguns moradores menos conhecidos (sim, aqueles que a gente não vê quase nunca), rosnando e encarando-os para, logo depois, passado o susto tremendo de quem foi alvo de seus latidos abafados, tornar à posição inicial de cão de guarda. Sem morder ou arranhar ninguém, senta-se ou deita-se no mesmo posto em que estava, como se nada tivesse acontecido (para a irritação de suas espantadas quase-vítimas). 

Amado por muitos e odiado por outros, é filho, amigo, problema, solução, companheiro, morador, barulhento, moleque, serelepe, bagunceiro, intruso e guarda-noturno. Um cão de todos e de ninguém. Aliás, foi assim que chegou: como se fosse ninguém, como se um nada houvesse chegado. Como se fora uma coisa, um ente estranho, de origem ignorada. Chegou como se uma espaçonave vinda de Vênus o tivesse deitado ao solo durante o silêncio puro da madrugada. 

Ilustre e famoso morador do condomínio (hoje com endereço, dono e moradia) nosso Maurício apareceu aqui com o abandono estampado na pele, a dor na carcaça e o fel da amargura habitando em seus olhos. 

Era arredio, desconfiado, carente. Aparentava ter sofrido muito lá por onde andou. Parecia congregar em si, a um só tempo, angústia e necessidade. A angústia solitária de ver-se qual ser-aí-no-mundo, em meio a hominídeos desconfiados, insanos e atrozes. E a necessidade de tudo: afeto, acolhimento, de uma geografia, um entorno, um fora e um dentro onde estar. 

Hoje, ajudante da segurança, monta guarda todas as noites ao lado dos vigias dos blocos. Não recebe por isso nada mais do que sua paga habitual: o carinho daqueles que o amam e o desprezo dos que o detestam. Vida de cão é assim! 

No mundo, eu sei, há muita gente que se sente como Maurício: triste às vezes, feliz em outras tantas, a correr atrás de gatos imaginários, lambendo o pelo depois de ser molhado pela lama da poça d’água que um automóvel lhe espirrou; sem pai nem mãe; despejado de um lar que nunca habitou, que nunca lhe pertenceu. Essa mesma gente, penso, tem muito a aprender com a humanidade presente na alma do nosso sofrido cão.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

TEXTO LIDO PELO POETA ARTHUR PRAZERES NO LANÇAMENTO DO LIVRO PEDRA DOS OLHOS DE ROGÉRIO ROCHA





A primeira coisa que precisa ser dita sobre Rogério é que ele está fazendo da poesia um desafio e um risco, como bem apontava o grande poeta Ivan Junqueira no célebre poema “O Grito”.

Rogério faz da poesia um desafio porque escreve numa terra de grandiosos poetas. Poetas como Sousândrade, Nauro Machado, Maranhão Sobrinho e ainda Gonçalves Dias, o grande primeiro poeta nacional e o mais “paraversificado” de todos. E faz da poesia um risco pois a vocação do poeta é a um só tempo divina e maldita. 

É divina porque a poesia tem o dom de salvar vidas e maldita porque a poesia meio que absorve toda a vida do poeta. A poesia demanda muito, consome muito.

Eu acho importante falar ainda que Rogério Rocha reuniu em Pedra dos Olhos poemas de todo o fazer de uma vida até agora; mas é uma poesia muito expurgada e de grande viés reflexivo.

 Acredito eu que raros poetas tiveram a coragem de reunir seus poemas da mocidade. Podemos contar nos dedos: Olavo Bilac foi um deles e João Cabral de Melo Neto rasgou e jogou no lixo toda a sua produção da mocidade.

Ademais, meus queridos, para não nos estendermos muito, digo-lhes que a Poesia de Rogério Rocha é uma poesia pensamentada, e como não poderia deixar de ser, uma poesia filosófica que lembra muito outro grande pensador da Poesia brasileira: Ivan Junqueira de “Três Meditações na Corda Lírica”. Obrigado!

(Texto de autoria do poeta Arthur Prazeres)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

LANÇAMENTO DO LIVRO DE POEMAS "PEDRA DOS OLHOS"

Rogério Henrique Castro Rocha - ou simplesmente Rogério Rocha - é maranhense da cidade de São Luís, técnico judiciário da 9ª Vara Criminal, ex-assessor jurídico, professor de Filosofia, palestrante, produtor cultural, membro fundador dos projetos de divulgação de filosofia e literatura Iniciativa Eidos e Duo Litera. 



Rogério Rocha é licenciado em Filosofia e bacharel em Direito, ambos pela Universidade Federal do Maranhão, sendo pós-graduado em Direito Constitucional (LFG/UNIDERP/ANHANGUERA) e em Filosofia (Paradigmas em pesquisa sobre Ética - IESMA). Também é Mestre em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa (Porto - Portugal).

Foi inspirado no efeito que lhe rendeu a leitura de mestres como Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Fernando Pessoa e Manuel Bandeira, que começou a escrever seus primeiros versos, ainda na imaturidade da fase de transição entre a infância e a adolescência. Contudo, foi ainda na juventude, quando fazia os cursos de Direito e Filosofia da Universidade Federal do Maranhão, movido pela leitura de pensadores como Friedrich Nietzsche e Martin Heidegger, de poetas como Friedrich Hölderlin e Rainer Maria Rilke, e influenciado pelas filosofias do existencialismo e da fenomenologia, que começou a ganhar densidade seu fazer poético, que hoje atinge um momento mais próximo à maturidade.

No dia 11 de Janeiro, às 19h, na Livraria Themis, no Monumental Shopping, o escritor Rogério Rocha lançará seu primeiro livro solo, intitulado “Pedra dos Olhos”. 

Trata-se de uma reunião de poemas construídos ao longo de três décadas e que pode dar ao leitor da revelação lietrária maranhense, que já participou de duas antologias (uma bilíngue, em inglês/português, lançada em Salões do Livro na Europa, Canadá e EUA, e no Concurso Literário Gonçalves Dias 2019, no qual foi premiado com o segundo lugar, em meio a mais de 300 poemas inscritos), a dimensão de parte daquilo que compõe sua jornada poética, com traços filosóficos e o lirismo que definem de seu estilo, além do universo de imagens e vivências que habitam seus versos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

CAFÉ PENSANTE EIDOS SOBRE ANÁLISE DE OBRAS LITERÁRIAS TERÁ 2ª EDIÇÃO

Atendendo a pedidos, buscando retribuir a receptividade do público e contemplar os que não puderam presenciar in loco o evento passado, o Café Pensante da Iniciativa EIDOS sobre a análise das obras literárias do vestibular do PAES/UEMA 2018 terá uma edição extra. É isso mesmo, PENSANTES! No próximo Sábado, dia 22/09, a partir das 17h30, no Espaço Cultural da AMEI, teremos a segunda edição do evento, que foi um sucesso total. Desta vez teremos a presença especial dos professores e escritores Sebastião Moreira Duarte e Fernando Reis. A mediação e comentários ficarão a cargo do professor Rogério Rocha, da Inciativa EIDOS. As inscrições gratuitas serão feitas na própria livraria da AMEI, com preenchimento de ficha, com limite a 100 vagas.


quinta-feira, 29 de março de 2018

A Golpes de Martelo (por Rogério Rocha)


Meu martelo constrói a incompletude.
Meu martelo trabalha com afinco,
Destrói o mundo com seu golpe rude.
Meu martelo cria e urde, desafia e
Emudece as formas que surgem,
Mas habita na fala das pedras
Desamparadas do ente mais duro.

Meu martelo titânico destrói e devassa,
Burila e avassala rochas densas,
De natureza inconcussa e magmática.

Bate sobre o solo com firmeza instrumental.
Absorve-se no absurdo que é bater no infinito,
Despejar no monolito a frieza do seu grito magistral.

O arquiteto noviço, o artífice decrépito, o reles escultor,
Coletam lascas, coletam nesgas, rastejam na praça
Em busca dos restos do objeto perfeito que esculpo.

Um ruído surdo invade os orbes celestes,
devora o mundo, prefere os ataques lascivos,
os dedos massivos do pai dos tormentos.

Meu martelo espanca o ilusório;
Meu martelo trabalha com fúria
E detona todo vulto civilizatório.
Meu martelo desarma, num gesto,
A solene ambição dos que regem
O processo nefasto do estar à mão.

Meu martelo profético desfaz e arrasa,
Com golpes potentes, enormes pancadas,

As torres maciças que o templo resguarda.

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