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sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Biografias, Privacidade e Indenização (Por Anderson Schreiber)

Anderson Schreiber

Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Direito Civil da UERJ. Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli Studi del Molise (Itália). Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autor de várias obras, dentre elas Direitos da Personalidade, Editora Atlas. 

Muitos jornalistas e historiadores têm lembrado que o que está em jogo no amplo debate público instaurado em torno das biografias não autorizadas é bem mais que o direito de escrever biografias sem pedir autorização aos biografados: é a liberdade de expressão numa sociedade democrática, aí incluídas a liberdade científica dos historiadores e a própria liberdade de imprensa. Nada mais verdadeiro. Entretanto, cumpre notar que o que está em jogo do outro lado da disputa também é algo bem maior que a eventual resistência de biografados à divulgação de fatos da sua vida particular: é o direito à privacidade na sociedade brasileira. 

Nunca tivemos, entre nós, uma cultura da privacidade. Ao contrário: no Brasil, cuja crônica política tem sido marcada por escândalos de corrupção, a privacidade é vista quase sempre como uma aspiração suspeita, coisa de quem tem algo a esconder. Quando uma operação policial obtém provas de um esquema criminoso por meio de escutas telefônicas ou da invasão de computadores sem prévia autorização judicial, ninguém parece muito preocupado com a privacidade. Invoca-se um “bem maior” – a segurança pública – diante do qual toda menção à privacidade acaba desqualificada, como preocupação menor, como artigo de luxo. De modo semelhante, quando uma celebridade reclama publicamente que sua vida privada foi invadida, a irresignação acaba sendo visto como incongruência (“quem mandou viver da fama?”) ou como capricho quase irreal numa sociedade marcada por uma exposição cada vez mais intensa, na internet, nas redes sociais, nos reality shows. 

Mas é justamente nesses momentos que o direito à privacidade se torna mais importante. Quando a evolução tecnológica permite que o empregador monitore indiscretamente o conteúdo dos e-mails do seu empregado, quando a fotografia ou a digital de cada cidadão é colhida como etapa necessária do seu ingresso em prédios comerciais, quando cada um de nós passa a receber mensagens publicitárias no telefone celular enviadas por empresas a quem nunca fornecemos nossos dados, é aí que a atuação da ordem jurídica se torna imprescindível para instituir algum controle social sobre práticas que quase distraidamente vão afrontando nossa privacidade e colecionando nossos dados pessoais, sempre em nome de um suposto bem maior, cada vez mais diminuto. Ao revelar que telefonemas e e-mails de centenas de brasileiros, incluindo a Presidente da República, foram monitorados por uma agência norte-americana, o caso Snowden demonstrou como pode ser falacioso o discurso segundo o qual a privacidade deve ceder à segurança pública. Uma vez que a privacidade é rompida, ninguém mais pode dizer se os dados obtidos estão sendo usados realmente para “garantir” a segurança de um país ou, muito diversamente, para favorecer interesses comerciais de concorrentes da Petrobras. Essa é uma característica inerente à privacidade: não se pode aplicá-la apenas às informações que devam justificadamente permanecer privadas. Para avaliar a justificativa, seria necessário conhecer tais informações e isso representaria violação à privacidade por si só. Não há, portanto, um direito à privacidade das informações privadas importantes. Ou há direito a manter informações na esfera privada ou não há. Do mesmo modo, não há um direito à privacidade que se aplique só aos Chefes de Estado ou só às pessoas que não são suspeitas de crimes ou só às pessoas anônimas. Ou há um direito à privacidade para todos ou não há.

A Constituição de 1988 protege a privacidade não apenas como um direito, mas como um direito fundamental. Também a liberdade de expressão consiste em direito fundamental aos olhos do Constituinte. O tema das biografias não autorizadas é fascinante justamente porque opõe esses dois direitos fundamentais. Quando dois direitos do mesmo grau hierárquico entram em confronto, a solução não pode ser nunca a eliminação prévia de um em favor do outro. Deve-se buscar sempre uma solução de equilíbrio, de concessões recíprocas, de definição de limites da atuação de um direito e de outro, sem que um deles prevaleça, a priori e em abstrato, sobre o outro. 

A tese de que biografias só podem circular se forem precedidas da autorização do biografado é uma tese inconstitucional porque faz com que o direito à privacidade prevaleça, a priori e em abstrato, sobre a liberdade de expressão. Entretanto, a tese de que uma biografia pode tratar de todo e qualquer aspecto da vida privada do biografado, sendo eventuais conflitos resolvidos por meio de indenização posterior ao biografado, também é uma tese inconstitucional. Pelo erro oposto: faz com que a liberdade de expressão prevaleça a priori e em abstrato sobre a privacidade. A tese da indenização, note-se, não representa um meio-termo porque, em última análise, permite que a privacidade seja violada por quem quer que se disponha a pagar o preço da violação. Ora, o que a Constituição assegura a todo cidadão não é o direito a ser indenizado por violações à privacidade; é o direito à privacidade em si. A indenização é um remédio subsidiário, para quando nada mais funciona; não pode ser o remédio principal para a violação de um direito fundamental, protegido pelo Constituinte. 

Façamos o exercício reverso: se um biógrafo que, com suor, trabalho e intelecto, escreveu uma biografia a visse proibida de circular, mas recebesse a notícia de que o biografado lhe pagaria uma indenização em dinheiro, estaria resguardada a sua liberdade de expressão? É evidente que não. A indenização nada resolve. O que a Constituição garante é a liberdade de expressão, não é dinheiro em pagamento pela violação a essa liberdade de expressão. O mesmo vale para a privacidade. 

A solução indenizatória, num sentido ou noutro, desnivela a balança. Uma solução verdadeiramente equilibrada à luz do texto constitucional seria a definição de limites recíprocos entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade. O Projeto de Lei 393/2011, que tramita no Congresso Nacional, poderia ser alterado para instituir esses limites recíprocos, por exemplo, limitando a possibilidade de concessão de liminares aos casos em que houvesse fundado risco de divulgação de dados sigilosos – como aqueles detidos apenas por médicos, advogados ou terapeutas – ou de divulgação dos chamados dados sensíveis – assim entendidos aqueles que, embora não sendo sigilosos, possam com sua revelação causar forte impacto emocional sobre o biografado, como o detalhamento do sofrimento de crimes ou de submissão à tortura, por exemplo. Para além do Projeto de Lei, o Supremo Tribunal Federal também terá a chance de estabelecer parâmetros e balizas para a colisão entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815. Uma solução equilibrada pode ser encontrada se a nossa Suprema Corte conseguir escapar à miragem da indenização como via intermediária. Uma verdadeira ponderação entre direitos fundamentais se faz necessária.


Fonte: Carta Forense

segunda-feira, 2 de abril de 2012

A verdade real na jurisprudência do STJ

Pense em doxa, aletheia ou episteme e responda: é possível alcançar a verdade absoluta? A questão aflige filósofos desde a Antiguidade, mas o dilema é enfrentado cotidianamente pelos magistrados. Na doutrina, o debate gira em torno do princípio conhecido como da “verdade real”. E a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) retrata esses confrontos. 

Um voto que define bem o alcance do conceito é o do ministro Felix Fischer, atual vice-presidente do Tribunal, no Habeas Corpus 155.149. Nele consta a seguinte citação do jurista Jorge Figueiredo Dias: “A verdade material que se busca em processo penal não é o conhecimento ou apreensão absoluta de um acontecimento, que todos sabem escapar à capacidade do conhecimento humano.” 

Segundo o autor, essa verdade real deve ser lida como uma verdade subtraída das influências da acusação e da defesa. Também não se trata de uma verdade “absoluta” ou “ontológica”, mas “há de ser antes de tudo uma verdade judicial , prática e, sobretudo, não uma verdade obtida a todo preço, mas processualmente válida”. 

No mesmo voto, o ministro critica a concepção ortodoxa da verdade real, tida como mitificada pelos que seguem essa corrente. Ele cita Francisco das Neves Baptista: “O mundo da prova é o mundo das presunções e construções ideais, estranhas ao que se entende, ordinariamente, por realidade. E o sistema jurídico processual assim o quer.” 

Esclarece o relator: “O princípio da verdade real, para além da terminologia, não poderia ter – na concepção ortodoxa – limitações.” No entanto, pondera, “não pode acontecer é reconhecer-se, como homenagem à suposta verdade real, algo como provado, quando em verdade, em termos legais, tal demonstração inocorreu”. 

Relações jurídicas
Em voto de 1992, o então ministro Vicente Cernicchiaro explica as razões dessa diferença de tratamento dada à verdade no processo penal: “O status de condenado, por imperativo da Constituição, é definido exclusivamente pelo Judiciário. Não há partes, pedido, nem lide, nos termos empregados no processo civil. Ao contrário, juridicamente, o sujeito ativo (estado) e o passivo (réu) não se colocam em posições opostas. Na verdade, conjugam esforços para esclarecimento da verdade. As partes, assim, têm a mesma e única preocupação: definir o fato narrado na imputação” (REsp 13.375). 

A decisão da esfera penal até mesmo prevalece sobre as ações cíveis ou administrativas. Apesar da independência dos campos jurídicos, quando se trata de autoria ou materialidade, a decisão penal deve ser observada pelos outros juízos. Diz o Código Civil, nessa linha: “Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.” 

Assim decidiu o STJ no REsp 686.486: “A decisão na esfera criminal somente gera influência na jurisdição cível, impedindo a rediscussão do tema, quando tratar de aspectos comuns às duas jurisdições, ou seja, quando tratar da materialidade do fato ou da autoria.” 

Porém, ressalvou o ministro Luis Felipe Salomão no caso: “O reconhecimento da legítima defesa do vigilante no juízo criminal não implica, automaticamente, a impossibilidade de a parte autora requerer indenização pelos danos ocorridos, especialmente quando, como no caso ora em análise, pugna pelo reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do banco e da empresa de vigilância, obrigados em face do risco da atividade”. 

O Código de Processo Penal repete a norma, invertendo a disposição: “Art. 66. Não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.” 

Nesse sentido, também já decidiu o STJ: “Não havendo sentença penal que declare a inexistência do fato ou a negativa de autoria, remanesce a independência das esferas penal, cível e administrativa, permitindo-se que a administração imponha ao servidor a pena de demissão, pois não há interferência daquelas premissas no âmbito da ação por improbidade administrativa.” (AREsp 17974). 

“É firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de que as esferas criminal e administrativa são independentes. Apenas há repercussão no processo administrativo quando a instância penal se manifesta pela inexistência material do fato ou pela negativa de sua autoria, o que não é o caso dos autos”, afirmou, por sua vez, o ministro Herman Benjamin no AREsp 7.110. 

E, novamente, o ministro Salomão esclarece: “Somente nos casos em que possa ser comprovada, na esfera criminal, a inexistência de materialidade ou da autoria do crime, tornando impossível a pretensão ressarcitória cível, será obrigatória a paralização da ação civil. Não sendo esta a hipótese dos autos, deve prosseguir a ação civil.” (Ag 1.402.602) 

O princípio da verdade real sustenta ainda outro, o pas de nulitté sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo. É o que afirma o ministro Humberto Martins no Recurso Especial 1.201.317: “Não se declarará nulo nenhum ato processual quando este não causar prejuízo, nem houver influído na decisão da causa ou na apuração da verdade real.” 

Perito menor 
É o risco de violação ao princípio da verdade real que justifica a impossibilidade de peritos serem menores de 21 anos de idade. O entendimento é da Sexta Turma, que concedeu habeas corpus a condenado por roubo em cuja audiência a vítima, surda-muda, teve como intérprete a filha, de 12 anos. 

“A doutrina tende a justificar a proibição com a ideia de que o menor não teria amadurecimento suficiente para entender e expressar, na condição de intérprete, os fatos objetos da imputação. Dessa maneira, a sua atuação poderia comprometer o resultado da oitiva, o que contraria as bases da verdade real”, explicou a relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura. (REsp 259.725) 

Caso Mércia 
O princípio foi discutido também no caso da morte de Mércia Nakashima. A defesa do réu pretendia que o processo corresse em Nazaré Paulista (SP), onde ela teria morrido por afogamento. Isso porque o Código de Processo Penal (CPP) dispõe que a competência é do juízo do local onde o crime se consuma. 

Porém, o juiz de Guarulhos (SP) afirmou que a regra deveria ser afastada no caso concreto, em vista da dificuldade que o deslocamento de competência traria para a apuração da verdade real: das 16 testemunhas de defesa, 13 seriam ouvidas em Guarulhos; o caso teria causado comoção social nessa cidade; e, de modo geral, a produção de provas era mais favorecida pela manutenção do processo nessa comarca. 

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) seguiu na mesma linha. Para os desembargadores paulistas, a alteração da competência enfraqueceria a colheita de provas: “A comarca de Guarulhos é o local onde há maior facilidade para se apurar os elementos probatórios necessários à busca da verdade real”, afirmaram no acórdão. 

A decisão foi mantida pelo STJ no HC 196.458: “Ora, deve-se ter em mente que o motivo que levou o legislador a estabelecer como competente o local da consumação do delito foi, certamente, o de facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como o de garantir que o processo possa atingir a sua finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade real”, afirma o voto do relator, ministro Sebastião Reis Júnior. 

“Dessa forma, seguindo o princípio da busca da verdade real, tem-se que se torna mais segura a colheita de provas no juízo de Guarulhos”, acrescentou. “O desenrolar da ação penal neste juízo, sem dúvidas, melhor atenderá às finalidades do processo e melhor alcançará a verdade real”, concluiu o relator. 

HC da acusação
Um assistente de acusação invocou o princípio para justificar o pedido de habeas corpus contra o réu. No HC 40.803, o assistente argumentava que a legislação deixou “grande lacuna” quanto a seu papel, cujos atos deveriam ser interpretados com “elasticidade, mormente quando imprescindíveis para a apuração da verdade real”. 

Por isso, o STJ deveria conceder o habeas corpus para fazer com que fossem ouvidas pelo júri as testemunhas apontadas pelo assistente de acusação, mas não arroladas pelo Ministério Público. Mas o pedido não foi conhecido pela Quinta Turma. 

Daniel Dantas

No julgamento do habeas corpus em favor do banqueiro Daniel Dantas, o desembargador Adilson Macabu também fez referência ao princípio da verdade real. Para o relator do caso, a busca da verdade real deve ser feita com observação da legalidade dos métodos empregados, respeitando-se o devido processo legal (HC 149250). 

Taxa para se defender
A ministra Maria Thereza de Assis Moura invocou o princípio para afastar a necessidade de pagamento de despesas com oficial de Justiça para que fosse ouvida testemunha de defesa. O magistrado havia considerado a prova preclusa pela falta do pagamento da diligência. 

A relatora do HC 125.883 considerou que, mesmo em casos de ação penal privada, quando é exigido de forma expressa o pagamento da diligência, o juiz pode determinar de ofício a oitiva de testemunhas e outras diligências, “em homenagem aos princípios da ampla defesa e da verdade real, que regem o direito penal e o processo penal”. 

“Tal circunstância corrobora a ilegalidade aqui constatada, em que se deixou de ouvir testemunha regularmente intimada pela defesa, em ação penal pública, em decorrência do não recolhimento antecipado da taxa respectiva”, concluiu. 

Forma sem fim 
O princípio também serviu para afastar a incidência da súmula do STJ que exige a reiteração do recurso especial após o julgamento dos embargos de declaração. No caso, após os primeiros embargos terem sido julgados parcialmente a favor do recorrente, um dos corréus, não beneficiado, embargou novamente a decisão (Ag 1.203.775). 

Antes desse julgamento, porém, o recorrente apresentou recurso especial. Julgados e rejeitados os segundos embargos do corréu, ele não reiterou suas razões recursais, levando inicialmente à negativa de apreciação de seu apelo. 

No entanto, a Quinta Turma do STJ reviu sua decisão inicial em vista do princípio da verdade real. Para o ministro Jorge Mussi, “exigir-se tal ratificação, após julgamento de embargos de declaração rejeitados pela corte local, em que não houve modificação de absolutamente nada na situação jurídica dos sentenciados, afigura-se um excesso de formalismo, à luz dos princípios da celeridade processual e instrumentalidade das formas, principalmente no âmbito do direito processual penal, onde se busca a maior aproximação possível com a verdade dos fatos (verdade real) e o máximo de efetivação da Justiça social”. 

Segundo o relator, não haveria por que insistir na reiteração do recurso se não houve acréscimo, modificação ou supressão de questão de direito ou fato capaz de influenciar no recurso especial, de modo que não se poderia “exigir o preenchimento de uma formalidade sem qualquer fim específico”. 

A ministra Nancy Andrighi, em voto no REsp 331.550, manifestou-se pela prevalência da busca da verdade real sobre o formalismo processual: “Antes do compromisso com a lei, o magistrado tem um compromisso com a justiça e com o alcance da função social do processo, para que este não se torne um instrumento de restrita observância da forma, distanciando-se da necessária busca pela verdade real.” 

Ela também afirmou, no REsp 1.012.306, que “a iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de prova de ofício, é amplíssima, porque é feita no interesse público de efetividade da justiça”. Por isso, o juiz pode ter a iniciativa de exigir a produção de provas que entender cabíveis, mesmo que não solicitadas pelas partes. 

Direito civil 
O princípio da verdade real é menos presente, ou determinante, nos processos cíveis. Já dizia o ministro Vicente Cernicchiaro, em 1991: “O processo penal, ao contrário do processo civil, não transige com o princípio da verdade real” (RHC 1.330). 

É o que se extrai do voto do ministro Napoleão Nunes Maia Filho: “A relativa independência entre o orbe civil e o penal não se presta a justificar a possibilidade de duas verdades conflitantes protegidas pelo universo jurídico. A finalidade precípua da autonomia é permitir ao juízo penal perscrutar a verdade real além dos limites dentro dos quais se satisfaria o juízo civil.” (HC 125853) 

Na mesma linha o ministro Mauro Campbell Marques, ao considerar o dolo do agente em ação de improbidade administrativa: “A prova do móvel do agente pode se tornar impossível se se impuser que o dolo seja demonstrado de forma inafastável, extreme de dúvidas. Pelas limitações de tempo e de procedimento mesmo, inerentes ao direito processual, não é factível exigir do Ministério Público e da magistratura uma demonstração cabal, definitiva, mais-que-contundente de dolo, porque isto seria impor ao processo civil algo que ele não pode alcançar: a verdade real.” (REsp 1.245.765) 

Em 1990, o ministro Sálvio de Figueiredo já afastava o princípio em certos casos: “Na fase atual da evolução do direito de família, é injustificável o fetichismo de normas ultrapassadas em detrimento da verdade real, sobretudo quando em prejuízo de legítimos interesses de menor” (REsp 4987). 

Em matéria tributária, o princípio também é observado: “Caso os documentos colhidos pela fiscalização sejam suficientes para a verificação do lucro real, é com base neste que deverá ser efetuada a autuação, tendo em vista o princípio da verdade real na tributação”, afirma o ministro Campbell no REsp 1.089.482. 

Registro civil 
Assim, o princípio se aplica aos registros civis. É ele que garante a alteração dos nomes dos genitores no registros de nascimento dos filhos após o divórcio. “O princípio da verdade real norteia o registro público e tem por finalidade a segurança jurídica. Por isso que necessita espelhar a verdade existente e atual e não apenas aquela que passou”, afirma voto do ministro Luis Felipe Salomão (REsp 1.123.141). 

É da ministra Nancy a afirmação de que “não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA”. O caso tratava de tentativa de alterar o registro de paternidade procedido pelo marido que fora induzido a erro pela esposa (REsp 878.954). 



Fonte: STJ

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