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quinta-feira, 7 de julho de 2011

Qual o significado e alcance da cláusula de abertura material dos direitos fundamentais, prevista nos §§ 2º e 3º do art. 5º, da Constituição Federal de 1988?


A questão em análise diz respeito a importante debate que se tem travado no contexto de nossa atual Constituição a respeito da hierarquia constitucional dos tratados de proteção aos direitos humanos e de sua entrada na ordem do Direito interno.

Desde a gênese de nossa Carta Política, quando da redação e inserção do §2º, art. 5º em seu texto, deu-se início a calorosas discussões acerca da normativa dos tratados internacionais, se teriam natureza infra, constitucional ou supraconstitucional, infralegal, legal ou supralegal. Outra polêmica era a de se saber qual tipo de tratado (com qual temática) deveria ser acolhido pela ordem jurídica pátria.

           A denominada cláusula de abertura material, inserta nos §§ 2º[1] e 3º do art. 5º da CF/88, implica dizer que os direitos e garantias fundamentais expressam-se tanto no bojo da Constituição (no próprio artigo 5º), de forma expressa, quanto implicitamente, em diversos outros artigos do texto normativo constitucional, bem como em outras normas infraconstitucionais. E mais ainda. Fora mesmo da nossa Carta Magna, inscritos nos tratados internacionais em que a República Brasileira seja parte, há direitos e garantias fundamentais reconhecíveis pelo nosso sistema constitucional de direitos.

             Quanto ao alcance, trata-se de cláusula inclusiva, incorporativa ou de não-exclusão[2] de novos direitos fundamentais advindos do direito internacional. É o que se infere da leitura e interpretação sistemática dos parágrafos em comento, haja vista que

... tais tratados passam a ser fonte do sistema constitucional de proteção de direitos no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles direitos, expressa ou implicitamente, consagrados pelo texto constitucional, o que justifica o status de norma constitucional...[3]


              Segundo Mazzuoli, portanto,

a cláusula aberta do §2º do art. 5º da Carta da República de 1988, (...) admite visivelmente que os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo governo brasileiro ingressam no nosso ordenamento jurídico no mesmo grau hierárquico das normas constitucionais, e não em outro âmbito de hierarquia normativa. (grifo nosso).

              Nesse mesmo sentido é o entendimento esposado no AI 601.832 – AgR, no voto do relator, Ministro Joaquim Barbosa, destacando que

“(...) após o advento da EC 45/2004, consoante redação dada ao §3º do art. 5º da CF, passou-se a atribuir às convenções internacionais sobre direitos humanos hierarquia constitucional (...). Desse modo, a Corte deve evoluir do entendimento então prevalecente (...) para reconhecer a hierarquia constitucional da Convenção.”[4]

É também, no âmbito do Pretório Excelso, o ministro Celso de Mello defensor da tese que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos[5]. Bem assim, filiamo-nos a esta corrente de pensamento[6], entendendo que as cláusulas abertas (dos §§2º e 3º da CF) inserem de plano em nosso ordenamento as normas constantes dos tratados e convenções sobre direitos humanos a que aderir nossa República Federativa, dando a elas estatura constitucional (inclusive de cláusula pétrea), ampliando o “bloco de constitucionalidade” e conferindo-lhes, por fim, aplicabilidade imediata.

No que tange ao §3º do art. 5º, inserido pela EC n.º 45/2004, sua criação, conforme se sabe, teve por finalidade dissipar as polêmicas surgidas em torno do parágrafo anterior do mesmo artigo, que tratava do tema apenas genericamente, fazendo menção tão-somente à expressão tratados internacionais, sem dizer, contudo, quais seriam os tratados a serem recepcionados (se todos, se somente os que versassem sobre matérias ou temas específicos, ou mesmo se seriam os que tratassem acerca dos direitos humanos, como acabou por entender a doutrina e jurisprudência, posteriormente).

Ocorre, infelizmente, que tal parágrafo continuou deixando a desejar, não tendo o legislador constituído adotado o que hoje é tendência internacional, isto é, a recepção dos tratados e convenções sobre direitos humanos nas ordens jurídicas internas dos Estados com status constitucional.

Pecou, portanto, a nosso ver, o parlamento brasileiro, insculpindo no texto do aludido parágrafo apenas o termo “serão equivalentes às emendas constitucionais”, ao invés de redação outra que dissesse, sem meias palavras, que os mesmos possuem, após ratificados, hierarquia constitucional (como já o fazem as Constituições de muitos  países).

Por fim, cabe frisar que tais normas, a propósito do que dispõe o § 2º, ingressam na ordem jurídica interna na condição de materialmente constitucionais, enquanto que, após o procedimento explicitado no § 3º, acabam por tornar-se também formalmente constitucionais.


Rogério Rocha


REFERÊNCIAS


MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito público internacional: parte geral. 4. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI 601.832 – AgR, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma, DJE de 3-4-2009.

_____________________________. HC 91.361, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-9-2008, Segunda Turma DJE de 6-2-2009.



[1] Em seu Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 260, o ministro do STF, Gilmar Mendes, nos informa que “o parágrafo em questão dá ensejo a que se afirme que se adotou um sistema aberto de direitos fundamentais no Brasil, não se podendo considerar taxativa a enumeração dos direitos fundamentais no Título II da Constituição”, posição esta que tem sido sancionada pela jurisprudência do Supremo.
[2] Termos classificatórios que adotamos para designar a assim chamada cláusula de abertura.
[3] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direito público internacional: parte geral. 4. Ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2008, p. 90-91.
[4] AI 601.832 – AgR, voto do Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 17-3-2009, Segunda Turma do STF, DJE de 3-4-2009.
[5] Cf. HC 91.361, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-9-2008, Segunda Turma DJE de 6-2-2009.
[6] Alguns autores que defendem a tese do status constitucional dos tratados internacionais sobre direitos humanos: André Ramos Tavares, José Carlos de Magalhães, Flávia Piovesan, Antônio Augusto Cançado Trindade, além do já citado internacionalista Valério Mazzuoli.

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