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domingo, 22 de janeiro de 2023

POESIA E FILOSOFIA: EM BUSCA DO PENSAR QUE POETIZA

 Escrita Criativa: 4 dicas para ser uma expert - Madame Conteúdo

Por Rogério Rocha

 

Proponho-me a discorrer sobre a suposta relação entre importantes áreas da cultura. Relação fundada há, pelo menos, dois mil e quinhentos anos e que acabou por estabelecer um grau de parentesco entre dois significativos campos do saber, quais sejam: a poesia e a filosofia.

Meu principal intento será o de indicar as razões da viabilidade em se falar de uma proximidade fundacional entre o saber crítico-reflexivo da filosofia e a arte da poesia.

É preciso compreender, entretanto, que estou a tratar de campos de pesquisa autônomos, com estatutos de legitimação epistemológica distintos e que congregam objetos, métodos e finalidades específicas.

De um lado a poesia, forma de linguagem que tem por característica fundante o predomínio de um texto lírico, com objetivo de exprimir percepções do sujeito diante do mundo, quer pela via da expressão crítica, quer pela meramente estética. Para tanto, faz-se necessária a existência de uma relação triádica composta pela poesia (como arte), pelo poema (como produto final e objeto dessa arte) e pelo poeta (criador e artífice).

A filosofia, por seu lado, consiste no imprescindível campo de investigações que penetra as raízes dos problemas fulcrais da vida com a ferramenta do método e as luzes do logos.

Voltando ao princípio, pode-se constatar que os filósofos pré-socráticos Xenófanes, Heráclito, Parmênides e Empédocles, por exemplo, escreveram suas reflexões utilizando um estilo de escrita similar ao encontrado na prática da versificação. Mas por quê? A resposta é relativamente simples. Porque a poesia, enquanto gênero literário, surgiu, no Ocidente, bem antes da prosa e da própria filosofia, ainda no tempo dos mitos, nas narrativas gregas dos tempos heroicos.

Além do mais, havia, por assim dizer, uma unidade originária, uma estreita aproximação entre a linguagem escrita e os vários discursos ligados à oralidade do período ágrafo. Sendo assim, no plano da história, pôde-se observar a assimilação e uns pelos outros. Foi o caso do nascente discurso filosófico, absorvido pelo fazer poético, nomeadamente sob a forma do poema.

Mesmo com a famosa condenação platônica dos poetas e da poesia em seu clássico “A República”, e com a posição de teóricos que defendem haver uma divergência histórica entre os dois saberes, percebe-se a ocorrência de um vínculo entre eles. Vínculo que se apresenta desde suas gêneses e continua a influenciar as manifestações do intelecto.

Em decorrência do acima exposto, é razoável compreender o fato de as primeiras reflexões filosóficas terem sido realizadas por meio de enunciados poéticos, na mesma perspectiva do que, no plano de expressão da linguagem, era usual durante aquele período da história.

Foi como se a filosofia tivesse aderido à forma poemática para dar corpo às proposições e questionamentos lógicos.

Desse modo, trago aqui, a título de ilustração, dois exemplos extraídos aos fragmentos de Heráclito que possuem ligação com o que foi acima afirmado:

SEXTO EMPÍRICO, Contra os Matemáticos, VII,132.

“Deste logos sendo sempre os homens se tornam descompassados quer antes de ouvir, quer tão logo tenham ouvido; aos outros homens escapa quanto fazem despertos, tal como esquecem quanto fazem dormindo.”

ARIO DÍDIMO, em EUSÉBIO, Preparação Evangélica, XV, 20.

“Aos que entram nos mesmos rios outras águas afluem; almas exalam do úmido.”

49a. HERÁCLITO, Alegorias, 24.

“Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos.”

Ora, a poesia em seu estrito senso, inserida num corpo-poema, constitui-se como um discurso-objeto, isto é, um discurso de caráter não proposicional, metafórico, contudo reiterável. Caracteriza-se por sua linguagem de abertura ao diverso e ao transcendente, ainda que utilizada para expressar a realidade. Logo, é, por natureza, uma linguagem no campo de um discurso não-convencional, chegando a lidar, por isso, também com o que vige na esfera do imponderável.

Enquanto isso, a filosofia, tipo de discurso convencional apoiado no método e na lógica, ocupa-se em analisar a realidade através de argumentos construídos com base em fundamentação racional.

Mesmo assim, em sua origem, na antiguidade grega, ainda que parcialmente, o pensamento filosófico ‘derivou’ da poesia como um de seus modos externalizáveis.

Explico a razão do uso do entre aspas quando do emprego da palavra derivou, ao correlacionar os referidos campos de conhecimento. Ambos emergiram do páthos, ou seja, do espanto, condição que precede a tudo que nos toca e nos permite um inevitável estado de admiração.

Poesia e Filosofia, portanto, tiveram por arkhé (princípio) um “páthos” (espanto). Foram tomadas pela vertigem provocada ao defrontarem-se com as “aporias”, com a incerteza presente no íntimo de cada recorte da realidade, na dúvida radical que as empurrou na direção de seus intentos formadores.

Daí o motivo pelo qual Alberto Pucheu as denominou de “espantografias”, isto é, escritas sobre espantos.

Contudo, enquanto a filosofia buscou interpretar a realidade imanente e transcendente do mundo, em prol do saneamento das dúvidas humanas mais angustiantes, a poesia optou por tentar expressar o impossível de modo crível.

Nela, diferentemente da primeira, tudo pode ser e acontecer, vez que opera no âmbito de uma feitura. Ainda assim, responde a certos parâmetros definidores de condições de existência, representados, sobretudo, pelas regras de versificação, escanção e métrica.

Falando da filosofia, é relevante lembrar que na última fase da produção teórica de Martin Heidegger, por exemplo, viu-se o predomínio do pensar que poetiza sobre o pensar que filosofa.

Tal virada encontra explicação no fato de que a filosofia, segundo ele, teria alcançado seu fim. Razão pela qual ficaria a cargo da poesia a passagem (Übergang) a um pensamento do Ser. Assim sendo, o pensamento poético passaria a definir, dali em diante, um modo de ser com o mundo.

Vale frisar, contudo, que sempre que a poesia toma por traço fundamental mostrar-se como demasiadamente teórica, acaba por forçar o poeta a também pensá-la. Pensar o conteúdo mais que a forma, sua engenharia personalíssima, seus planos internos e externos, evidentes ou implícitos.

Eis o fazer poético. Um pensamento que escolheu seguir pelo caminho da sensibilidade, das intuições, da contemplação estética como via alternativa num mundo rodeado de fenômenos cientificizados. Ao mesmo tempo, com o propósito de dividir com a reflexão filosófica a leitura do mundo, esse modelo de racionalidade adicionou camadas de racionalidade capazes de acessar verdades cujo pensamento tradicional buscava.

Isto posto, entendo que a poesia se situa correlacionada à filosofia, mediante o que María Zambrano denominou de razão poética. Condição que radica na gênese desses dois campos e a qual nominei de emaranhamento intermitente. Fenômeno movido pela intencionalidade subjetiva do poeta e do filósofo, que vem se manifestando em caráter circunstancial, porém com retomadas constantes, desde os pensadores originários.

Nesse sendido, verifica-se a possibilidade da prática de um pensar que poetiza, a partir da unidade que fabricou poetas-filósofos como Mallarmé, Lucrécio e filósofos-poetas como Platão, Hölderlin, Nietzsche, Rilke e Heidegger.

sábado, 21 de abril de 2012

Campanha eleitoral francesa fica marcada por debates rasos e discursos populistas


El Yamine Soum, especial para o Opera Mundi - Paris

Candidatos não conseguiram realizar debate profundo sobre temas nacionais e internacionais

A percepção compartilhada por muitos franceses é de que os temas verdadeiramente importantes de discussão não foram abordados na atual campanha presidencial, em especial as questões sociais. Ao perceber-se parte dos candidatos se aventurando em discursos banais, repetindo fórmulas batidas ou ainda demonstrando agressividade, essa disputa deixa um grande sentimento de amargura.
Para outros eleitores, trata-se de uma campanha complicada que não foi capaz de abordar os projetos e as visões de cada sobre a sociedade.

Em 2007, na campanha anterior, foi o contrário. Ela realizou-se de forma passional, dominada pelo ideal de mudança nascido com o fim da desgastada era Jacques Chirac. Esse sentimento de ruptura não está mais presente.

Uma das razões é que, agora, com a utilização de novas mídias, em plena era da sociedade do espetáculo, não houve tempo viável para explicar as propostas. Ocorreu um caso emblemático, em que alguns jornalistas pediram a alguns candidatos para que relatassem suas estratégias na área de Relações Exteriores em apenas...dez segundos!

Além da questão da falta de sincronia entre o tempo político e o midiático, ainda pesou para esse quadro medíocre a falta de profundidade dos programas de governo apresentados pelos candidatos.

Bode-expiatório

Para a extrema-direita, assim como para a UMP (União por um Movimento Popular), partido de Nicolas Sarkozy, o eterno bode-expiatório continua sendo o “estrangeiro”, ou o muçulmano. A perseguição começou particularmente depois da forte repercussão de uma reportagem da televisão francesa sobre o rito do halal (modo de abate animal islâmico).

A candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, da Frente Nacional, começou a dizer que os franceses comiam carne com abate halal sem saberem. O presidente- candidato quis aproveitar-se da polêmica chegando ao cúmulo de dizer que “o tema que mais preocupava os franceses era a carne halal”, sendo que dias depois, após ser duramente criticado pela comunidade islâmica no país, dizer que o assunto estava encerrado…

Mas Marine foi além. Em seus comícios afirmou em alto e bom som que “entre (as doutrinas) comunitaristas mais poderosas de hoje está o fundamentalismo islâmico, que é encorajado pelas elites. O objetivo dele é aplicar a sharia na França..Sob pressão dos islâmicos, os comerciantes acabam só oferecendo carne por abate halal aos seus clientes”.

A mesma Marine faz questão de lembrar constantemente “as origens cristãs da França”, esquecendo que a laicidade francesa consiste justamente na defesa da ideia pela qual a República não reconhece, financia nem subvenciona qualquer tipo de culto.

Um dos cartazes publicitários do partido de ultra-direita ainda na campanha regional de 2010 de seu pai (Jean-Marie, fundador do partido) tinha como slogan “Não ao Islamismo” e uma bandeira argelina colada ao mapa da França, demonstrando clara e explicitamente a vontade de atacar os muçulmanos e de lhes estigmatizar.
Medo x desesperança

Progressivamente, outros dois temas que ser viram de bodes-expiatórios na campanha foram a crise econômica e a União Europeia.

O presidente-candidato também continuou a abusar de sua retórica do medo – sobretudo depois que passou a chamar ainda mais atenção dos holofotes durante a conclusão dos atentados de Toulouse . Ele apostou pesadamente em sua pretensa imagem de protetor dos franceses face à crise econômica e tomou muito cuidado para interpretar esse papel.

Em relação à Europa, Sarkozy se declara favorável a uma revisão do acordo sobre a livre circulação de pessoas e o retorno às fronteiras nacionais. Por sua vez, Marine Le Pen defende a saída da zona euro.

Por fim, tanto à direita como à extrema-direita, a estratégia é continuar a estigmatizar os muçulmanos,mesmo que uma grande parte dos franceses saiba que isto não passa de uma estratégia de distração, muito comum de ser utilizada em períodos de crise econômica.
Mobilização popular à esquerda da esquerda

Na esquerda, o fenômeno mais importante e emblemático resulta da campanha de Jean-Luc Mélenchon, o candidato da Frente de Esquerda, coalizão entre comunistas e outros partidos da extrema-esquerda. No início de sua campanha, há poucos meses, o candidato apresentava índices de preferência baixos (em torno de 3 %), e que agora permeiam os 15%.

Mélenchon desafiou Marine Le Pen em um debate televisionado, mas ela se recusou a contra-argumentar. Resta aos dois candidatos, no entanto, a disputa pelo terceiro lugar. Ex-membro do PS, Mélenchon conseguiu seduzir não somente uma parcela do eleitorado jovem, mas também de muitos que pensavam em se abster. E o radicalismo proposto em termos de ruptura do atual modelo de sociedade ganhou a simpatia de muitos franceses.

Ao se declarar inimigo dos banqueiros e do sistema financeiro, esse candidato suscitou uma mobilização popular impressionante em diversos comícios ao ar livre, ressuscitando a memória de antigos líderes comunistas. Em Marselha, aproximadamente 100 mil pessoas se reuniram no último fim de semana. O que representa o equivalente aos comícios de Nicolas Sarkozy e François Hollande realizados em Paris.

Utilizando-se de slogans emprestados do presidente equatoriano Rafael Correa, como "Revolução Cidadã" ou "insurreição cívica", Mélenchon obrigou o candidato socialista François Hollande a se direcionar mais à esquerda. Ele se torna importante, afinal, não apenas por seu desempenho nas pesquisas, que pode evoluir ainda mais, mas também pela influência que ele poderá ter sobre Hollande no caso de vitória do Partido Socialista na eleição presidencial.

Já o terceiro colocado na disputa de 2007, o centrista François Bayrou (Movimento Democrata), tem encontrado dificuldades em emplacar algum discurso de destaque nesta campanha.

Por fim, a candidata ecologista, a franco-norueguesa Eva Joly (Europa Ecologia – Os Verdes), teve muitas dificuldades para colocar em pauta sua agenda ambiental. Além de sua clara falta de carisma, outro fato que contribuiu o fraco desempenho demonstrado até agora foi que os verdes concluíram acordos políticos para negociar as candidaturas à Câmara de Deputados. Isso desmobilizou uma parte da militância e tirou credibilidade da candidatura.

Abstenção e voto anti-Sarkozy

Pelo lado do Partido Socialista, é esperada uma vitória sem necessidade de fazer campanha. O candidato François Hollande, frequentemente atacado por sua postura tímida, não ousa ultrapassar as linhas do consenso e joga em uma posição de equilibrista.

Por um lado, ele defende uma série de propostas que aparecem, para uma parcela do eleitorado, mais voltadas a uma política centrista ou social-democrata. Como, por exemplo, se posicionar contrariamente à entrada da Turquia na União Europeia.

A mobilização do eleitorado para a candidatura de centro-esquerda parece ocorrer mais em razão de uma rejeição a Sarkozy do que por uma franca e sincera adesão às proposições do Partido Socialista.

Outro risco deste escrutínio é a abstenção. Segundo o CSA, “a França se caracteriza por um nível muito fraco de confiança interpessoal como também em torno das instituições, como, por exemplo, a justiça, o Parlamento ou ainda os sindicatos”.

Ora, ao fim do mandato de Sarkozy contamos com um milhão de desempregados a mais entre 2007 e 2012, ligada à perda da nota “Triplo A” pelas agências de risco, reforçando ainda mais o sentimento de pessimismo.

É por essas razões que esse pleito se arrisca a presenciar uma grande desmobilização dos eleitores. E, para alguns eleitores, uma grande tentação de não votar nos dois candidatos favoritos. Há a possibilidade de que cinco candidatos superem a margem dos 10% de votos.

El Yamine Soum é um sociólogo francês, especialista em temas como imigração e diversidade. Co-autor de livros como La France que nous voulons, Islamophobie au Monde Moderne e Discriminer pour miex régner.

Fonte: Página Global

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