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sábado, 5 de abril de 2014

Assédio de toga

Dos juízes espera-se equilíbrio, serenidade e, sobretudo, justiça nos atos e tomadas de decisão. Parte dos servidores do Poder Judiciário, porém, tem se deparado com magistrados autoritários e prepotentes, que perseguem e assediam moralmente os funcionários. Uma pesquisa inédita no País, realizada pelo Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro e obtida por ISTOÉ, é um indicador do ambiente ruim dos tribunais brasileiros. A enquete revelou que 44,5% dos servidores do Tribunal de Justiça do Estado entrevistados afirmam já ter sofrido algum tipo de assédio moral. “Começamos a perceber um número cada vez maior de servidores afastados por problemas psicológicos”, afirma Alzimar Andrade, coordenador-geral do Sind-Justiça. “Esse quadro é agravado porque os juízes assediadores se sentem em uma classe superior, repleta de poder, e têm uma espécie de garantia de não punição.” O levantamento também apontou que 45% dos funcionários ouvidos disseram que já foram ofendidos ou humilhados no atendimento a advogados ou a partes de um processo (leia abaixo).
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O assédio no serviço público tem peculiaridades. Em uma empresa privada, o chefe descontente pode demitir o trabalhador, algo que não ocorre com funcionários concursados. “O que se negocia são os benefícios e a independência interna do servidor”, afirma o professor de sociologia do direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro Fernando Fontainha. Isso permite, por exemplo, a perseguição de um profissional até que ele decida se exonerar da vida pública. Frequentemente, trava-se uma guerra judicial entre as partes, como ocorreu com a funcionária do Tribunal de Justiça de Minas Gerais Flávia Felício Silva, 42 anos. Ela afirma ter sido perseguida pelo juiz Roberto Ribeiro de Paiva Júnior enquanto trabalhou como escrivã judicial na Comarca de Uberlândia em 2007. “Além do meu trabalho, eu era obrigada a fazer despachos para o juiz, que é atribuição dos estagiários, e trabalhava das 7h às 22h”, relata. Flávia conta que engordou 30 quilos em quatro meses e, quando chegou ao limite, foi conversar com o juiz. “Ele disse que ninguém falava ‘não’ para ele e que eu veria quem mandava”, conta.
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BATALHA
Flávia e o juiz Roberto Ribeiro de Paiva Júnior travaram uma guerra judicial:
ele entrou com cinco processos administrativos contra ela e todos foram arquivados
Naquele momento, segundo Flávia, os maus-tratos vieram à tona. Ela foi proibida de entrar no gabinete de Paiva Júnior. “Eu ouvia dele que eu fedia e era gorda e irresponsável”, diz. Por ter cometido uma falha em um processo que resultou em prejuízo financeiro para as partes, ela tomou uma suspensão de cinco dias. Diante disso, a servidora entrou com um mandado de segurança contra o juiz e a atitude do magistrado foi considerada inconstitucional pelo TJ-MG. O caso virou uma disputa judicial. Flávia fez uma representação contra Paiva Júnior na Corregedoria-Geral do Estado e o juiz entrou com cinco processos administrativos contra ela, todos arquivados. A Corregedoria, por sua vez, determinou que o juiz a tratasse com dignidade. Em 2009, Flávia foi transferida de vara. Procurado por ISTOÉ, o Fórum de Uberlândia informou que o juiz está de férias.
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Tratamentos humilhantes repetitivos podem comprometer a identidade, as relações afetivas e a capacidade de se adequar ao ambiente de trabalho, muitas vezes sem que a pessoa tenha consciência. No Rio de Janeiro, o caso da oficial de Justiça Márcia Elisa Barroso, 38 anos, chegou ao extremo. A funcionária atirou-se do sexto andar do seu prédio, em novembro passado, após ter sido removida de local de trabalho contra a sua vontade, o ápice de uma série de problemas, segundo ela. Márcia fazia parte de um grupo de 12 servidores que, em 2011, abriu um processo administrativo para denunciar o assédio moral praticado pela chefia da Central de Mandados do Fórum de Alcântara, em São Gonçalo, e pedir remoção coletiva. “Todos sofriam com o tratamento da diretora da Central e a juíza nos acusava de fazer motim”, diz. Segundo Márcia, o tempo era restrito para cumprir o número de mandados exigidos, a diretora colocava os funcionários uns contra os outros no momento de definir plantões e quando alguém não dava conta do trabalho ela humilhava e gritava com a pessoa na frente de toda a equipe.
Em julho de 2012, Márcia passou a trabalhar em Niterói, mas em novembro passado foi novamente transferida para São Gonçalo. “Entrei em profunda depressão”, diz ela, que não se lembra direito do dia em que resolveu pular da janela. A servidora sofreu traumatismo craniano, uma série de fraturas, ainda está de licença médica e atualmente precisa de um andador para se locomover. O TJ-RJ nega que tenha havido assédio moral. A juíza Renata de Souza Vivas Pimentel, da Central de Mandados de Alcântara, afirmou que a remoção ocorreu em razão da abertura de um presídio na região, o que aumentaria a demanda de trabalho no Fórum local.
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GRUPO
Márcia e outros 11 servidores abriram um processo administrativo para
denunciar o assédio moral praticado no Fórum de Alcântara, em São Gonçalo (RJ)
No Poder Judiciário, a disparidade de forças parece mais evidente. “O servidor vive um embate com uma pessoa que possui muito mais poder”, diz Roberto Dias, professor de direito constitucional da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Assim, quando o funcionário vai atrás de seus direitos, ele corre o risco de ser malvisto pelos outros juízes e prejudicar a continuidade de sua carreira pública.” A chefe de cartório Nara Pereira, 52 anos, hoje trabalha em Criciúma (SC), mas ainda teme que sua carreira seja prejudicada pelo juiz Lírio Hoffmann Júnior, com quem trabalhou no Fórum de Orleans (SC). Em 2012, ela apresentou uma representação contra ele na Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado, alegando maus-tratos e perseguições no ambiente de trabalho.
Os desentendimentos começaram logo no início da relação profissional. “Ele começou a incitar os estagiários contra mim e a me desautorizar diante deles. Também queria que eu o ajudasse a prejudicar seus desafetos”, conta. “Percebi que se tratava de assédio moral quando fui trancada em uma sala e uma servidora falou que eu estava sendo observada.” Nara relata ainda que a funcionária lhe disse que sua função era dar andamento nos processos para acelerar a promoção do juiz. Na denúncia à Corregedoria, Nara acusou Hoffmann de ameaçar abrir uma ação administrativa contra ela, o que de fato ocorreu. De acordo com o desembargador do TJ-SC, Ricardo Roesler, a representação aberta por Nara foi “arquivada por inconsistência de provas e o processo disciplinar continua em tramitação na presidência do Tribunal de Justiça”. Hoffmann afirmou desconhecer alegações sobre assédio moral. “Nossa relação de trabalho era boa, mas não posso dar mais informações sobre o que motivou o processo administrativo”, disse o juiz.
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Numa área célebre pela morosidade e com uma demanda de maior rapidez da sociedade, as disputas tendem a se acentuar. “O índice de servidores públicos com problemas de saúde é cada vez mais elevado”, diz Paulo Blair de Oliveira, professor da Universidade de Brasília (UnB) e juiz do trabalho há 20 anos. “Por que o tema assédio se tornou tão premente agora? Porque a sociedade exige uma solução com velocidade digital para as suas solicitações e o Judiciário ainda trabalha em ritmo analógico.”
Foto: Kelsen Fernandes/Ag. Istoé; L. Adolfo
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/356117_ASSEDIO+DE+TOGA?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage

domingo, 24 de março de 2013

Crítica da Cultura


Na época da secularização vive-se o silêncio de Deus na cultura
BERNARD LAURET
Durante sua visita à França, em 2008, Bento XVI fez questão de dirigir-se diretamente ao “mundo da cultura”. Foi no colégio dos Bernardinos, uma abadia fundada no século 13 pelos monges Cistercienses que, assim como os Franciscanos e os Dominicanos, queriam fazer-se presentes na Universidade de Paris, “forno onde se assa o pão intelectual do mundo latino”, como dizia o papa Inocente IV. O colégio dos Bernardinos formou clérigos durante séculos, antes de ser confiscado (“secularizado”) pela Revolução Francesa, em 1790. Em 2001, foi comprado novamente pela diocese de Paris e transformado em centro cultural. O local não podia ser mais bem escolhido para significar a contribuição histórica do cristianismo à cultura, mas também seus limites, quer dizer, sua “exculturação” em um contexto  secularizado. Bento XVI fez questão de mostrar, logo de saída, que foram basicamente a busca de Deus e o estudo de sua Palavra que conduziram os monges a desenvolver uma cultura que transformou a Europa. Foi nesse intuito que eles transmitiram a cultura antiga e fundaram escolas e bibliotecas, acolhendo autores cristãos e não-cristãos. Essa cultura intelectual e espiritual era igualmente inseparável do trabalho manual – lavrar as terras e lavrar os textos. Assim, a cultura não pode ser compreendida como uma simples realidade intelectual ou estética, mas sobretudo como uma civilização (Kultur, em alemão).
Mas isso se deu antes da época do Iluminismo (AufklärungEnlightenmentLumières), que capitaneou a emancipação da razão chegada à idade adulta e liberada de toda autoridade que pretendesse manter a Humanidade sob tutela. Daí Bento XVI concluir seu discurso evocando o silêncio de Deus em nossa época. Mas o fez para chamar seus contemporâneos à busca de Deus, conforme o exemplo dos medievais, a fim de que a cultura não seja reduzida apenas às possibilidades do que o ser humano pode fazer ou imaginar. É por isso que Bento XVI não cessa jamais de sublinhar a complementaridade entre razão e fé: a fé sem a razão conduz ao fundamentalismo; a razão sem a fé expõe o ser humano aos fantasmas da onipotência sem limites.
A política ou os perigos de uma deriva cultural
Em 2005, em Subiaco (comuna italiana onde foi fundada a primeira abadia beneditina), ao receber o Prêmio São Bento pela promoção da cultura (no mesmo momento em que os Estados europeus recusavam-se a introduzir na Constituição qualquer referência a Deus e às “raízes cristãs”), Ratzinger fez um discurso delineando o quadro sombrio das ameaças que pesam sobre o mundo de hoje, quando o homem, dotado de um grande poder técnico, parece não “dispor de uma energia moral correspondente”: armas nucleares e biológicas, clonagem, terrorismo, desigualdade na repartição de bens, “choque das culturas”. Ele levanta, pois, a questão dos limites da racionalidade técnica e positivista.
No entanto, Ratzinger não condena os ganhos do Iluminismo no que concerne à liberdade de consciência, à “coexistência de diferentes culturas religiosas” e à separação entre Estado secular (laico) e religião. Ele mesmo reivindica, não sem razão, que esses ganhos têm raízes no cristianismo. Em revanche, recusa que somente os critérios da razão iluminista sejam capazes de julgar a legitimidade das tradições religiosas; evoca precisamente as questões referentes ao aborto, à homossexualidade e à ordenação das mulheres. Recusa “que Deus seja tirado definitivamente da vida pública”, e, por isso, encoraja o cristianismo a encarar o desafio de levantar-se e falar, pois o considera como uma religião da razão, fundada sobre o Lógos criador. Tomando, aliás, o antípoda da máxima de Hugo Grotius (1583-1645) – que queria estabelecer o direito das nações sem recorrer a Deus –, Ratzinger propõe viver a vida tomando Deus como hipótese, para que a razão permaneça aberta a ele. Ele vai além da aposta de Blaise Pascal (1623-1662), que, diante da incerteza, preferia crer em Deus: depois da morte, se ele existir, ganhamos tudo; se não existir, não perdemos nada. Ratzinger vai de fato além e refere-se explicitamente a Immanuel Kant (1724-1804), que havia negado a possibilidade de conhecer Deus segundo a razão pura, mas o postulava no agir moral.
Nesse quadro político, todavia, Ratzinger afirma mais os direitos da religião e seu dever de racionalidade, sem fundamentar os limites respectivos da razão e da fé no contexto da Modernidade. Mas o encontro com Jürgen Habermas (1929-) permite uma abordagem explícita dessa questão.
A difícil partilha entre razão e fé na cultura
Um diálogo direto e insólito foi organizado em 2004, em Munique, entre o então cardeal Joseph Ratzinger e o pensador Jürgen Habermas. Seria de esperar que Habermas, principal herdeiro da “teoria crítica” da primeira Escola de Frankfurt, partilhasse o pessimismo dos fundadores – Max Horkheimer (1895-1973) e Theodor Adorno (1903-1969) – no que toca à cultura e ao que Bento XVI chamará de consequências do desmembramento da razão: o pensamento reificado e instrumentalizador; o pensamento científico que deixa de lado a moral e a estética; a cultura de massas, contrária à emancipação dos indivíduos etc. Ora, Habermas não partilha esse pessimismo. Atento como seus predecessores às ciências humanas, ele vê na diversidade das disciplinas a condição mesma de uma razão competente porque limitada. Entre o sujeito que pensa e a realidade objetiva, há a linguagem – que não é assimilada ao Lógos antigo – e a comunicação. Os meios de comunicação de massa situam-se assim no coração desse processo em que a cultura pode ou ser manipulada pelo dinheiro e pelos poderes ou fazer valer o mundo vivido e a razão emancipadora. ATeoria do agir comunicativo elabora assim as condições de uma ética de comunicação sem dominação externa abusiva. Em que medida seria então possível dar lugar às tradições religiosas, apoiadas sobre uma revelação superior à razão? É o que esclarece o diálogo com Ratzinger. Aparentemente, os dois protagonistas partilham as mesmas convicções sobre um respeito mútuo das competências. Mas eles diferem sobre os fundamentos dessa “autolimitação”. Com efeito, ambos buscavam responder à questão posta pelos organizadores do debate: “o Estado democrático e secularizado nutre-se de pressupostos normativos que ele mesmo é incapaz de garantir?”.
A resposta de Habermas é “não”, e em nome da razão. Mas ele não rejeita por isso a contribuição das religiões ao debate no espaço público. Para ele, a autolimitação da razão não vem de sua incompetência sobre as questões de fundo abordadas também pela religião, mas, ao contrário, da compreensão moderna de sua competência: uma razão não pode ter pretensão de validade a menos que aceite as diversas disciplinas (em particular as ciências humanas) que exercem sua competência em um campo definido e limitado. É justamente porque ela se sabe limitada e falível que a razão pode abrir-se a uma alteridade. “Sem haver intenção teológica no ponto de partida, uma razão que interiorize seus limites vai além de si mesma sobre caminhos rumo a algo de outro que ela mesma”. Essa autolimitação da razão moderna supõe, por outro lado, que as proposições de tipo religioso sejam expressas em uma linguagem argumentada diante da razão e no espaço público.
O raciocínio de Ratzinger segue outro caminho. Partindo da violência infligida à sociedade pelas “patologias” da religião (os fundamentalismos) e pelos excessos da razão técnica (o terrorismo), ele estima que “a razão também deve ser lembrada de seus limites e aprender uma capacidade de escuta com relação às grandes tradições religiosas da Humanidade”. A razão é limitada, aqui, do exterior e não do interior. Ratzinger aceita, pois, uma forma de racionalidade universal, sem referência a uma fé em particular, mas que estaria em correlação com uma dimensão religiosa que se encontra em todas as culturas (a interculturalidade).
Ambos, portanto, abrem caminhos novos de reflexão e ação.
Uma nova abordagem
Foi em seu discurso aos bispos da Ásia, em Hong Kong, 1993, que Ratzinger desenvolveu essa ideia de interculturalidade oposta por ele à noção de “inculturação da fé” em voga depois do Concílio Vaticano II. Segundo sua análise, não existe fé pura, independentemente de uma cultura, e vice-versa. A missão cristã não tem por objetivo transplantar o cristianismo ocidental (fé e cultura mescladas) em outras culturas cuja dimensão religiosa seria ignorada. Essa abordagem das culturas por suas relações mútuas necessárias e o respeito das diversas tradições religiosas relativiza, de um só golpe, o cristianismo sob sua forma ocidental, e eleva ao mesmo tempo a figura de Cristo, Lógos semeado por toda parte. Deixa ao mesmo tempo o desejo de que haja outra coisa do que um choque de culturas e religiões.
Habermas distinguia três abordagens diferentes da validação da verdade (abandonando assim o “credo metafísico” de uma linguagem dominada pela unidade em detrimento da multiplicidade): a relação ao mundo objetivo (a verdade tradicional), as relações entre sujeitos na interatividade (a justeza normativa) e a sinceridade (autenticidade) no discurso de cada um. Essa diferenciação reencontra aquela enfatizada por Ratzinger e que o cristianismo introduz em seu discurso sobre o domínio da criação (relação ao mundo confiado ao ser humano com todas as suas fontes – seculares – da ciência e das técnicas), da revelação (interatividade entre sujeitos e culturas) e da redenção ou salvação (que supõe que o ser humano, falível, encontre a autenticidade pela conversão e o perdão). No entanto, a prática dos Estados e das religiões desafia o pessimismo de um e o otimismo do outro.
Tradução de Juvenal Savian Filho
Bernard Lauret
é filósofo e teólogo, doutor pela Universidade de Munique,
ex-diretor literário das Éditions du Cerf (Paris)

Artigo retirado da Revista Cult, ed. 177.

quinta-feira, 29 de março de 2012

"A política é o exercício da capacidade humana de julgamento", diz Michael Sandel


O SENTIDO DA VIDA EM SOCIEDADE
Ao longo dos últimos 15 anos tive a sorte de fazer muitas entrevistas com professores de Harvard: John Kenneth Galbraith, Steven Pinker, Samantha Power, Christoph Wolff, Richard Wrangham, Janet Browne, Niall Ferguson, Louise Richardson, Kenneth Maxwell e outros que não lembro agora. Sumidades em suas áreas. Harvard é um centro de excelência e foi com muito orgulho que estive com a família na formatura da minha filha Teca, em 2008, na Harvard Graduate School of Education.
Mas, ninguém simboliza o que é Harvard como Michael Sandel, o mais famoso professor da universidade. Há 30 anos ele leciona para os alunos do primeiro ano o curso Justiça, agora divulgado numa série de videos pela Internet. Quando Sandel viaja à China e ao Japão, para dar aulas, é tratado como um rock star e lota estádios. Virá ao Brasil, em agosto, para uma série de três palestras. Visitará Fortaleza, São Paulo e Brasília nos dias 4, 7 e 8 de agosto, respectivamente. 
Cheguei cedo para a entrevista com o repórter cinematográfico Guilherme Machado. Enquanto Gui armava as três cameras, fui comer no refeitório e passei por uma experiência bem típica de Harvard. Depois de comer, fui jogar no lixo a embalagem e o que restou do sanduíche. Dois jovens estudantes, uma moça e um rapaz, me abordaram gentilmente e perguntaram se eu topava conversar com eles sobre como distribuir meu lixo entre os vários recipientes disponíveis: um para lixo reciclável, outro para lixo “compostável” e um terceiro para o lixo que não se enquadra nas duas categorias anteriores. Debatemos os méritos de cada item até decidir onde jogá-los. Foi muito instrutivo e agradável. Normalmente eu reagiria mal a qualquer ordem sobre como dispor do meu lixo. Jogar tudo fora sem pensar é um velho hábito, mas Harvard achou um jeito simpático de mudar meus hábitos. Claro que não é exclusivo de Harvard, mas em nenhum outro lugar nos Estados Unidos, até agora, passei por essa situação.
Foi um bom exemplo do que Michael Sandel faz com os alunos e do que fez neste Milênio: cada ação nossa é resultado de uma escolha e cada escolha merece ser examinada, discutida e revista. Este é o sentido da ética, da liberdade e da vida em sociedade. Uma boa lição.
por Jorge Pontual

FILOSOFIA

Há 30 anos, o filósofo usa questões do dia a dia para discutir com seus alunos os valores éticos da sociedade. Ao Milênio, programa do canal por assinatura Globo News, Sandel falou sobre política, educação, democracia e justiça e explicou seu projeto de globalização da educação. Veja a entrevista com esse que é um dos mais importantes filósofos de nosso tempo acessando o link abaixo.


Fonte: Globo News/Milênio

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cenas do BBB12: são coisas de “Zé Mané”, como disse Pedro Bial?


LUIZ FLÁVIO GOMES*
No programa Altas Horas, Pedro Bial, o apresentador do BBB, disse: “Gosto de ver coisa ruim na TV”. Boni, cujo filho, Boninho, dirige o BBB, perguntou: “Então você assiste o BBB”. Pedro Bial, dando nome aos que participam e assistem ao programa, respondeu: “Eu não assisto porque não gosto de me ver. Mas, para domar o formato, tive de me despir da condição de jornalista e ser Zé Mané junto com os outros”. O BBB, então, é coisa de “Zé Mané”?
Tocqueville (nobre francês que foi estudar a democracia norte-americana), em 1840, escreveu: “Vejo [na democracia] uma multidão inumerável de homens semelhantes e iguais que giram, sem descanso, sobre si mesmos para procurarem pequenos e vulgares prazeres com os quais preenchem suas almas”.
Será que o “Zé Mané” a que se refere o Pedro Bial (certamente com exceção da Luíza que está no Canadá!) corresponderia a esse tipo de homo democraticus, guiado pela vulgaridade, que significa mediocridade moral e decadência do bom gosto?
Os moralistas, os árbitros da elegância, os aristocratas e os burgueses da elite nunca aceitaram a cultura da vulgaridade, mas não se pode esquecer que ela é co-irmã da cultura da igualdade e marca registrada da democracia.
O Ocidente inventou muitas coisas fantásticas nos últimos três séculos: as ciências, o Estado de Direito e a democracia estão dentre essas inovações. Democracia (igualdade, liberdade e fraternidade, da Revolução francesa) significou a derrubada da aristocracia e monarquia. A desigualdade formal e material era a regra. Com a democracia veio a igualdade (pelo menos formal). E com essa igualdade surgiu como cultura preponderante a vulgaridade, que ganhou força inigualável com o advento da televisão, em meados do século XX.
O ser humano do século XXI (ser humano massa) tem bons motivos para comemorar a evolução fantástica ocorrida em relação às liberdades (o progresso moral, nesse campo, é inequívoco), mas com frequência cai na tentação de não fazer bom uso dessa liberdade, gerando excentricidades e grosserias típicas do mundo medieval.
Incentivar ou programar ou transmitir (sem tomar nenhuma providência) cena de estupro (real ou simulada), onde um homem estaria abusando de uma mulher, em estado de inconsciência, claro que retrata uma bizarrice brutal, que poderíamos chamar de televidiotice.
Em casos recentes desse tipo de barbárie os anunciantes do programa foram os primeiros a tirar o time de campo (isso ocorreu, por exemplo, com o grotesco jornal inglês News of the World, de propriedade de Rupert Murdoch, que foi fechado em julho de 2011). Paralelamente acontecia a reprovação geral do público.
Agora que temos as redes sociais, é chegado o momento de nos emanciparmos de nós mesmos (da nossa democrática e igualitária vulgaridade), buscando ostatus de cidadãos envolvidos com o destino da polis e da democracia, por meio da exemplaridade (Javier Gomá), dando vida a um novo modelo de democracia como projeto de uma civilização igualitária, fundada em bases finitas. Podemos nos valer das redes sociais para nos posicionar pela construção de uma nova paideia(formação cultural), que censure os abusos da liberdade (especialmente a de expressão) e que lute pelo desenvolvimento de sentimentos e costumes coletivos fundadores de uma saudável e viável vida comunitária.
O ser humano democrático contemporâneo deveria refletir seriamente sobre a necessidade de autolimitação do seu “eu” subjetivo dotado de direitos e liberdades, dominando os seus instintos corporais mais animalescos e eliminando do seu cotidiano as excentricidades e extravagâncias nefastas, dando evidências da sua urbanização, que consiste na eleição da civilização e recusa, ao mesmo tempo, da barbárie.
Há fortes razões para que nós reformulemos nosso estilo de vida, tornando nossapolis atrativa para a convivência humana, ou seja, livre da anarquia e da anomia (ausência de regras ou desprezo às regras). Um bom exemplo poderia ser dado desde logo pelas emissoras de televisão, que deveriam ser pressionadas pelos anunciantes e pela opinião pública para participarem de uma nova paideia(formação cultural), fundada na civilização, na cidadania, na democracia e na exemplaridade. Quem vai dar o pontapé inicial nesse grandioso empreendimento de reformulação do ser humano?
* LFG – Jurista e cientista criminal. Fundador da Rede de Ensino LFG. 

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