Mostrando postagens com marcador normas. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador normas. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Interpretação Jurídica e Interpretação Leiga das Normas: Qual É Superior e Preferível?


Por André Coelho
 
Sejam J e L, respectivamente, a interpretação jurídica dominante e a interpretação leiga dominante de uma norma N: Há boas razões para aceitar que J será sempre superior e preferível a L? Se há, quais seriam tais razões?

A pergunta à primeira vista parece ridícula. Se juristas têm conhecimento técnico sobre o direito vigente, dominam a linguagem técnica das normas, transitam melhor pelos conceitos da dogmática jurídica e pelas tradições da jurisprudência e interligam melhor as normas entre si com vista à formação de um sistema, não seriam todas estas razões mais que suficientes para que J fosse sempre superior e preferível a L?

Porém, na verdade, isso depende do que conta como boas razões. As razões acima podem ser resumidas a duas: precisão e unidade. Ambas são razões formais. L poderia ser moral e politicamente superior a J e, mesmo assim, J obteria mais precisão e unidade que L. Ter precisão e unidade é o tipo de coisa que se espera de um conhecimento que se pretende científico. Se tomarmos este curso de exame e dermos preferência ao critério teórico-cognitivo, à busca de cientificidade, então, de fato, J estará sempre à frente de L.

Mas e se tomarmos outro curso de exame – com algo que podemos chamar de ponto de vista da democracia – e perguntarmos, agora, qual das duas interpretações, J ou L, corresponde mais à vontade do cidadão como legislador e às expectativas do cidadão como destinatário? Chamemos a correspondência à vontade dos cidadãos de legitimidade de N e a correspondência às expectativas dos cidadãos de segurança de N. Ora, quanto mais uma interpretação de N tenha legitimidade e segurança, tanto mais democrático é o sistema em que N opera. A exemplo de precisão e unidade, legitimidade e segurança também são razões formais. Porém, se J requer conhecimentos técnicos de que o cidadão comum não dispõe, ao passo que L se baseia precisamente no tipo de crença e avaliação que o cidadão comum é capaz e tendente a fazer, isto não faria L na verdade superior e preferível a J?

A discussão, claro, é mais relevante para casos em que (1) J e L não coincidem; (2) J não pode se ajustar à L sem grande perda de precisão e unidade para o sistema jurídico; e (3) L não pode se ajustar a J sem grande esforço cognitivo para o cidadão comum. Além disso, se aplica especificamente para o contraste entre interpretações da mesma norma, e não para o contraste entre a norma vigente e a norma que a sociedade preferiria que fosse a vigente. Este seria outro debate, sobre limites morais e políticos do direito positivo. Estou propondo, em vez, um debate sobre limites morais e políticos da interpretação jurídico-profissional do direito positivo.

O debate continua interessante mesmo que se dê preferência, no fim das contas, a J. Pois agora, para justificar esta conclusão, as questões se deslocam para: Por que o ponto de vista teórico-cognitivo deveria ter precedência sobre o ponto de vista democrático? Se J diminui tanto a legitimidade quanto a segurança de N, por que tal interpretação deveria ser permitida num Estado democrático? Se uma decisão judicial de primeira instância que deu preferência a L sobre J for em segunda instância reformada, que autoridade democrática pode ser invocada pela segunda instância para reverter uma decisão que apelava para a interpretação mais democrática? É possível formular, do ponto de vista democrático, razões em favor de J em detrimento de L? Se não for, não é J inerentemente antidemocrática? E, se for, que razões haveria num Estado democrático para ainda dar preferência a J? 

Fonte: site Filósofo Grego

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Quais os significados possíveis para a palavra "constitucionalismo"?


Controle de Constitucionalidade
O Constitucionalismo, em nosso entender, pode ser definido como o resultado histórico de lutas, revoluções, movimentos e ideias, que tiveram por objetivo principal instalar, sob o primado da racionalidade, mecanismos legais de controle e redimensionamento do poder do Estado, a fim de garantir direitos e instituir deveres às instituições e cidadãos nas mais variadas sociedades. No Ocidente, a construção desse modelo de controle passou pela elaboração de Cartas Políticas (decisões fundamentais do povo), as quais se convencionou chamar de Constituições.

Foi a partir da elaboração do pensamento contratualista e, sobretudo, do desenvolvimento de filosofias políticas e jurídicas, ao longo dos séculos XVII ao XX, que se estabeleceram os fundamentos do Direito Constitucional da atualidade. Tais concepções teóricas foram responsáveis por ajudar a erigir a Constituição em uma força normativa capaz de fazer valer o Direito em bases positivadas, constituindo-se em verdadeira declaração política emanada do poder soberano constituinte do povo.

Dessa forma, baseada na Lei Fundamental, instituída pela vontade livre dos cidadãos, as sociedades, principalmente as democráticas, deram a si próprias um relevante mecanismo de proteção contra os desmandos do poder arbitrário de grupos ou indivíduos que, isoladamente, pudessem exercer o poder de forma tirânica.

Para Marcelo Vicente de Alkmin Pinenta[1], Constitucionalismo é

... o movimento político e jurídico que visava estabelecer em toda parte regimes constitucionais, no sentido de promover a limitação do poder estatal, a partir da separação dos poderes e da declaração de direitos do indivíduo, de modo a estruturar o Estado em bases mais racionais e socialmente mais justas.


Segundo Kildare Gonçalves de Carvalho[2],

O termo constitucionalismo apresenta vários significados. Embora se enquadre numa perspectiva jurídica, tem alcance sociológico. Em termos jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente representa um movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução do Estado.

Uadi Lamêgo Bulos[3], citado por Kildare Gonçalves, afirma que

O termo constitucionalismo tem dois significados diferentes: em sentido amplo, significa o fenômeno relacionado ao fato de todo Estado possuir uma Constituição em qualquer época da humanidade, independentemente do regime político adotado ou do perfil jurídico que se lhe pretenda atribuir; em sentido estrito, significa a técnica jurídica de tutela das liberdades, surgida nos fins do século XVIII, que possibilitou aos cidadãos o exercício, com base em Constituições escritas, dos seus direitos e garantias fundamentais, sem que o Estado lhes pudesse oprimir pelo uso da força e do arbítrio.

Contribuindo para a compreensão do fenômeno do constitucionalismo, e seus desdobramentos necessários, importante destacar ainda o apontamento feito por Rogério Gesta Leal[4], ao ressaltar que

Pode-se dizer de certa forma que a Teoria da Constituição da modernidade e até o final do século XIX, no Ocidente, esteve marcada por um viés liberal-burguês, tendo servido como uma grande âncora para os processos de resistência política e social do seu tempo, notadamente para os efeitos de superar a fase obscurantista dos governos exercidos pela força da tradição e dos costumes autoritários de segmentos aristocráticos e oligarcas do medievo.
É a força da razão – inclusive na sua dimensão normativa e argumentativa – ocupando o espaço da força da tradição do poder físico de uns sobre os outros. Esta mesma razão é que vai erigir e exigir a explicitude dos fundamentos de justificação da forma e do exercício do poder, não mais vinculados às situações estanques de status nobiliárquico-hereditários ou religiosos, mas a critérios objetivos e laicos para aferir o novo padrão de análise e validade dos atos de governo e de poder: a sua legalidade.

Assim, sendo, contra as forças hostis aos direitos e liberdades públicas, contra os absurdos do poder autocrático, da coação tirânica do Estado Leviatã ou do Monarca Absoluto contra o cidadão comum, contrapôs-se um instrumento legal democrático, legitimado pela celebração de um pacto entre os concernidos (seus construtores e principais destinatários), como forma de impor limites ao Executivo (bem como aos demais poderes integrantes do complexo estatal) através de normas vinculantes, delineadas num documento fundamental chamado Constituição.

*Rogério Henrique Castro Rocha (Pós-graduando em Direito Constitucional e Direito do Estado pela Universidade Anhanguera/Uniderp/Rede LFG; Pós Graduado em Paradigma da Pesquisa em Ética pelo IESMA; Graduado em Filosofia e Direito pela UFMA)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 17. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.



[1] PIMENTA, Marcelo Vicente de Alkmin. Direito constitucional em perguntas e respostas. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 63.
[2] CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Direito constitucional. 17. ed. rev. atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 231.
[3] BULOS, Uadi Lammêgo Apud CARVALHO, Kildare Gonçalves de. Op. Cit., p.232.
[4] LEAL, Rogério Gesta. O Estado-juiz na democracia contemporânea: uma perspectiva procedimentalista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.42-43.

Postagens populares

Total de visualizações de página

Páginas