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domingo, 31 de outubro de 2021

O ENCONTRO DE OUTONO (um conto de Rogério Rocha)

vienna monovisions | David Weintraub
Foto: David Weintraub - Internet


O ano de 1919 trouxe a Viena um início de inverno moderado, com temperaturas que muito lembravam a do recém-findado outono.

Com os treze graus centígrados daquela manhã nublada, o consultório do respeitado doutor era um abrigo mais que bem-vindo.

Chegou na hora marcada. Na rua pouco movimentada, ficou a observar os relógios na vitrine de uma loja no prédio ao lado do seu destino. Por alguns poucos minutos titubeou, não sabendo se entrava ou não. Da calçada divisou, ao final da avenida, a catedral gótica da cidade. Com uma expressão congelada no rosto, ouviu o primeiro toque do sino, que badalava as três horas da tarde.

Respirou fundo, tirou o chapéu, encarou a porta diante de si, bateu levemente e, logo a seguir, pode entrar.

Sem perder tempo, mas com grande discrição, apresentou-se à secretária na antessala e, após a confirmação do seu nome, dirigiu-se ao consultório. O gabinete do médico neurologista, iniciador de pesquisas sobre novas técnicas para a compreensão da psique humana, era sóbrio e acolhedor, com uma decoração clássica, alguns pequenos quadros na parede, tapetes persas, mobília de madeira em tons amarronzados, com uma estante cheia de livros e prateleiras que continham pequenas peças de arte africana, asiática e outros minúsculos elementos cênicos.

O doutor cumprimentou seu novo paciente com um breve aceno de cabeça e logo estendeu o braço, apontando-lhe o divã.

Após tirar o casaco e acomodá-lo num local apropriado, o jovem escritor deitou-se no local indicado. Fora do seu campo de visão, o médico encontrava-se calmamente sentado em sua poltrona, com um caderno de anotações ao lado de uma pequena mesa. Na ocasião, orientou o paciente a falar com liberdade o que lhe viesse à mente, sem se importar com narrativas lineares.

Após acender um charuto, o analista perguntou-lhe:

- Sente-se confortável?

- Aqui, deitado? Sim, estou bem! – respondeu com um semblante tenso.

- E para falar? Está pronto?

- Depende! Sobre o que devo falar primeiro?

- O que quiser. Sinta-se livre para começar. Quero que caminhes até sua verdade.

- Minha verdade! Talvez ela esteja escondida dentro do meu medo. Do medo de mim, da vida que tenho levado, do meu futuro e... do meu pai.

Enquanto o jovem falava sobre suas angústias e desejos, o terapeuta via surgir, em meio às verbalizações carregadas de tensão, sinais de um conflito existente com a figura paterna.

Ouvia os relatos do paciente sem intervir. Vez por outra, contudo, pedia um breve esclarecimento sobre algum ponto ou fazia questionamentos bem sintéticos, a fim de ajudá-lo a lidar com os incômodos. Afinal, havia um peso na narrativa daquele homem. Era como um fardo gigante, um estado de permanente sofrimento que decorria de traços de sua história familiar e que seu analista buscava atentamente identificar em algum ato falho ou lapso da linguagem.

Mas, enfim, eis que a palavra pai se revelara, abraçada a um indisfarçável desconforto, captado ao ver-se o semblante e ouvir-se a voz do analisando.

- Acabei de escrever uma carta para ele. Sim! Uma longa carta. Mas, sinceramente, não sei se a lerá. Na verdade, não sei sequer se chegará às mãos dele. Aquelas mãos que, se pudessem, com certeza me despedaçariam. – disse, com a voz trêmula.

Com o charuto entre os dedos indicador e médio da mão esquerda, o condutor da sessão ouvia o que era dito, fazia anotações (a fim de ajudar no processo de memorização do caso) e breves comentários. Enquanto isso, o paciente começava, num crescendo do tom da voz, a externar fatos que o impediam de ser ele mesmo e que estavam ligados ao seu relacionamento com o velho genitor.

- Ele parece um Deus. Lá em casa é como o vejo. Uma espécie de carrasco que vive para me perseguir, para tentar me intimidar, para me pressionar, dia e noite. – ressaltou o paciente.

- Há muitos pormenores que não consigo contar... nesse medo que eu carrego do meu pai. Mas odeio quando ele me desqualifica e condena o meu futuro. E faz isso na frente de todos. Sim, eis o meu fabuloso pai!

- De tanto ouvir seus sermões públicos, acredito piamente em todos os argumentos que usa. Por causa dele, só tenho a verdadeira sensação de mim mesmo quando estou infeliz.

- Para piorar, agora quer me impedir de casar com a mulher que me ama de verdade. Quer estragar minha única fortaleza: o amor. – disse, com a voz levemente embargada.

- Somos de carne e osso, mas a vida nos trata, por vezes, como se fossemos de ferro. – comentou calmamente o analista.

Depois de um breve silêncio, o jovem retomou sua fala:

- O muro que meu pai ergueu entre mim e Julie é quase intransponível. Mesmo assim, tenho esperança. Sei que existe e é pequena, mas não posso abrir mão das possibilidades. Não tenho esse direito!

- Ainda assim, o que vejo hoje? O que tenho visto? Apenas a minha própria sombra e o medo que sinto, como se fosse a mão impiedosa do meu pai em minha garganta. – falou, arregalando os olhos que miravam o teto.

- O peso de ser filho é terrível, no meu caso. Meu pai é muito grande para mim. Sua presença é muito forte. Sinto que me esmaga com sua indestrutível superioridade. Com sua vontade de me ver um homem forte e corajoso. Coisas que não sou.

- Ele me cobra todos os dias. Todos os dias. Pergunta onde deixei minhas responsabilidades para com os negócios. Diz que sou um fracasso. Que não valorizo a liberdade que ele me proporcionou. Mas... liberdade? Que liberdade?

- A que teve ao me deixar fora do quarto, com frio e sede, quando eu era apenas um menino chato e chorão, gritando no meio de uma noite chuvosa? A que me ajudou a ser esse nada incontestável, que ressalva sempre que toca no assunto com os parentes à mesa do jantar nos domingos? – questionou o analisado, esbravejando no divã.

- Muitas vezes sonho com ele a me perseguir, doutor. Sonho que estou saindo de uma floresta muito densa, após correr por metros e metros. No final, respiro fundo ao ouvir o clique de um revólver. Depois fecho os olhos e acordo quase sem ar. – diz o jovem escritor, encenando o seu susto.

- Daí para a frente não há mais retorno, ponho na mesa a culpa por todos os meus erros. Estou imerso em silêncio. Até sinto o meu medo dissolver-se dentro dele. Ah, você não sabe a energia que reside no silêncio! – murmura, com um leve sorriso na face.

- Deves perceber que de erro em erro a verdade vai-se revelando. – comentou o médico, enquanto fazia anotações em seu caderno.

- A verdade para mim, doutor, é sempre um abismo. Se não me libertar, irá me destruir. Assim como meu pai tem tentado destruir a minha felicidade.

O analista enfim olhou para o relógio de bolso e informou ao novo paciente que a sessão estava encerrada. O jovem levantou-se um tanto lentamente, como se quisesse permanecer deitado mais um instante. Já de pé, o médico achegou-se frente a ele e, antes que se retirasse, lhe disse:

- A felicidade, caro Franz, é um problema individual. Nesse campo, nenhum conselho é lá muito válido. Afinal, cada um deve procurar, por seus próprios meios, tornar-se feliz. No mais, em última instância, precisamos amar. Amar para não adoecer.

O escritor, por alguns segundos e em silêncio, olhou fixamente no fundo dos olhos do médico. Depois estendeu-lhe a mão, apertou-a com firmeza, despediu-se, vestiu o casaco, pôs o chapéu na cabeça e deixou o consultório com a mesma discrição com que entrara. Logo após sua saída, aparece a secretária para avisar que aquele tinha sido o último atendimento do dia.

- Dr. Freud, o paciente Franz Kafka terá uma nova sessão na quinta-feira da próxima semana, nesse mesmo horário. Achei a expressão daquele jovem meio perdida, o semblante pesado. O senhor acha que ele vai retornar?

- Deixemos isso para uma outra hora, Anna! A resposta à sua pergunta é tão incerta quanto saber se amanhã um de nós dois irá acordar resfriado. A única certeza que tenho agora, e posso lhe garantir, é que estou me dirigindo ao café. Queres me acompanhar?

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

CINCO MODOS DE USAR (PSICANÁLISE E RELIGIÃO)

Polarizadas ou convergentes e capazes de dialogar, a análise freudiana e a síntese religiosa aproximam-se ou distanciam-se a gosto dos fregueses
Ricardo Torri de Araújo
Tome as palavras “psicanálise” e “religião”. Escreva uma frase. Uma frase que faça sentido, é claro! Uma frase pertinente, defensável. O que você escreveria? Que verbo colocaria entre os substantivos “psicanálise”, “religião”? Que termo usaria primeiro? Que palavra depois? A mim, ocorrem cinco possibilidades. Melhor dizendo: tenho conhecimento de que, pelo menos, cinco frases já foram consistentemente escritas com essas duas palavras.
Vou começar pela mais inesperada delas. Esta: “A religião influenciou a psicanálise”. Esta frase não me teria ocorrido se outra pessoa não a tivesse formulado. Na verdade, não apenas um, mas dois autores, por razões distintas, subscreveram essa frase. Os dois são judeus: David Bakan e Gérard Haddad. Em Sigmund Freud e a tradição mística judaica (1958), Bakan defende a tese de que, ao criar a psicanálise, Freud foi grandemente influenciado pelo pensamento místico judaico, em particular, pela cabala. Em O filho ilegítimo (1981), por sua vez, Haddad sustenta o parecer de que, na invenção da psicanálise, Freud esteve sob a influência do Talmud e do Midrásh judaicos. Segundo Bakan, a psicanálise herdou principalmente conteúdos do judaísmo; de acordo com Haddad, a afinidade entre a psicanálise e o judaísmo diz respeito, sobretudo, a aspectos formais.
Certamente, a psicanálise deve muito à judeidade de Freud. Mas parece pouco provável que deva algo ao judaísmo como religião. A condição judaica de Freud foi importante para a criação da psicanálise na medida em que, como judeu, ele estava preparado para assumir uma posição minoritária. Independência de julgamento e tenacidade: eis o que Freud aprendeu com o fato de ser judeu. Nesse sentido, não foi por acaso que o descobridor da sexualidade infantil, o desbravador do “sexto continente” e o autor da teoria da etiologia sexual das neuroses tenha sido um homem acostumado a estar na oposição.
Segunda frase: “A psicanálise e a religião concordam entre si”. O maior representante desse ponto de vista foi um amigo pessoal de Freud: o pastor luterano OskarPfister, o “pai” do diálogo entre a psicanálise e a religião. No dia 9 de outubro de 1918, provocativo, Freud perguntou a Pfister por que a psicanálise precisou esperar por um judeu completamente ateu para ser criada. Passadas três semanas, surpreendentemente, o pastor respondeu que, de saída, Freud não era judeu e, em segundo lugar, que tampouco era ateu. Um homem que busca a verdade e combate pelo amor só pode estar muito próximo de Deus, argumentou Pfister. O pastor acrescentou: “Jamais houve cristão melhor”.
Embora não seja nem de longe o único, Pfister é, sem dúvida, o campeão do concordismo. Ele não apenas defendeu a compatibilidade entre a psicanálise e a fé cristã, mas fez do inventor da psicanálise uma espécie de cristão anônimo, “batizou” Freud. Não falta, porém, quem considere que a harmonização entre a psicanálise e a religião é uma operação que faz violência tanto a uma como à outra. A conciliação só é possível ao preço de uma adulteração de, pelo menos, uma das duas grandezas em jogo – ou ainda: de ambas!
Terceira possibilidade: “A psicanálise apenas purifica a religião”. Esta afirmação é, na verdade, uma tese auxiliar daquela que acabamos de considerar. A tensão entre a psicanálise e a religião – argumenta-se – é aparente; a psicanálise concorre apenas para a depuração da religião, não para a sua aniquilação, vindo, assim, em última análise, prestar-lhe um serviço involuntário. De novo, Pfister é o melhor porta-voz desse parecer. Em 1928, em A ilusão de um futuro – a sua réplica a O futuro de uma ilusão (1927), de Freud –, Pfister descreveu o método psicanalítico como “um instrumento maravilhoso para purificar e fazer avançar a religião”. Pretende-se que esse raciocínio valha seja para a experiência da análise, seja para o embate teórico com a psicanálise, isto é, tanto o crente que se deita no divã de um analista, quanto o teólogo que enfrenta o desafio que o pensamento de Freud representa sairiam ganhando com a psicanálise, não abandonariam a religião, mas, pelo contrário, teriam a sua fé depurada, amadurecida, tornada adulta, menos infantil.
De novo, seria muito conveniente – para a religião, entenda-se – se fosse assim. Mas não parece que as coisas se deem sempre desse jeito. Mais razoável é admitir que tudo pode acontecer com a fé de quem entra em contato com a psicanálise – seja com o divã do analista, seja com os livros de Freud. Tudo! Pode-se perder a fé; pode-se purificá-la; pode-se, nesse sentido, fortalecê-la; pode-se até adquirir a fé – ou recuperá-la – com a psicanálise. Em O dia em que Lacan me adotou (2002), Haddad, por exemplo, conta que recuperou a fé fazendo análise com o grande mestre parisiense. Mas não é todo dia que isso acontece.
Penúltima frase: “A psicanálise e a religião são incompatíveis entre si”. Psicanálise e religião são como “óleo e água”: não se misturam. Quando Hélio Pellegrino morreu – Pellegrino era psicanalista, marxista e cristão! –, um grupo de amigos decidiu homenageá-lo com um livro de artigos sobre psicanálise e religião. Deram-lhe o nome Hélio Pellegrino. A-Deus (1988). O artigo de Joel Birman teve por título: “Desejo e promessa, encontro impossível”. Segundo Birman, há uma polaridade insofismável entre a psicanálise e a religião; as duas coisas são essencialmente divergentes. E essa incompatibilidade reside fundamentalmente em que a religião é orientada, em suas práticas sociais, pela dimensão da promessa, ao passo que a psicanálise pretende apenas levar o sujeito ao encontro da verdade singular do próprio desejo.
Psicanálise e religião – desejo e promessa. Esse binômio pode ser multiplicado. A psicanálise e a religião não se dão. Porque a psicanálise (psico + análise) faz análise; a religião, síntese. A psicanálise desliga; a religião (do latim religare) liga. A psicanálise está do lado do inconsciente; a religião, do eu. A psicanálise está interessada no descentramento do sujeito; a religião, no seu centramento. Na psicanálise, trata-se do sujeito barrado; na religião, do indivíduo (in + dividuus = indivisível). Para a psicanálise, o sujeito é clivado; para a religião, ele é uno. A psicanálise tem a ver com o que é parcial; a religião, com o total. A psicanálise é “sexofílica”; a religião, não raro, “sexofóbica”. A psicanálise é arqueológica; a religião, teleológica. A psicanálise leva o sujeito a confrontar-se com o desamparo; a religião, pelo contrário, lhe oferece proteção. Mais! O que a religião e a psicanálise fazem com o real da castração é diferente. A religião vela, mascara, encobre, tampona a castração; a religião tapa o furo, obtura a falta, preenche o vazio, sutura a divisão, responde ao enigma, dá sentido ao sem-sentido, nomeia o inominável. A psicanálise… tudo ao contrário!
Admitir que há um problema – e um problema sério – entre a psicanálise e a religião não significa, porém, descartar o contato, o diálogo, a relação entre uma coisa e outra. Nas décadas de 1960 e 1970, por exemplo, chegou a haver 12 jesuítas – como o papa Francisco – na Escola Freudiana de Paris, o grupo de Lacan. E não me parece que esses senhores ignorassem as antinomias acima enumeradas. Mais recentemente, o também padre jesuíta Carlos DomínguezMorano publicou um livro intitulado: Psicanálise e religião (2000). O subtítulo da obra é Diálogo interminável. Sim, diálogo. Mas, interminável. Entre a psicanálise e a religião, não há possibilidade de síntese. Resta, pois, a manutenção de um questionamento mútuo. A relação entre a psicanálise e a religião está destinada a permanecer como questão sempre aberta. Ou seja, como um diálogo sem fim.
Por fim, a quinta e última frase: “A psicanálise é, ela mesma, uma religião”. Certa vez, o próprio Freud observou que o marxismo acabou ficando muito parecido com aquilo que combatia – ele pensava na religião. Não se poderia dizer o mesmo da psicanálise?  Há, de fato, semelhanças não desprezíveis entre a psicanálise e a religião.
Embora possa parecer estranho, no movimento psicanalítico há “deuses”. Numa carta que escreveu a Pfister, em 26 de fevereiro de 1911, Freud fez referência à “deusa Libido”; em O futuro de uma ilusão (1927), por sua vez, ele falou em “nosso Deus Logos”. Há uma “Sagrada Escritura”: as obras completas de Freud ou os Escritos (1966) de Lacan, por exemplo. Há “dogmas”. Em Memórias, sonhos, reflexões (1961), Jung escreveu: “Tenho ainda uma viva lembrança de Freud me dizendo: ‘Meu caro Jung, prometa-me nunca abandonar a teoria sexual. É o que importa, essencialmente! Olhe, devemos fazer dela um dogma, um baluarte inabalável’. Ele me dizia isso cheio de ardor, como um pai que diz ao filho: ‘Prometa-me uma coisa, meu caro filho: vá todos os domingos à igreja!’”. Há “papas”. Certa vez, Binswanger perguntou a Freud por que Jung e Adler, os seus alunos mais antigos e, talvez, mais bem dotados intelectualmente, o deixaram. Freud respondeu que eles quiseram se tornar papas. Há “cardeais”. Em 1912, por iniciativa de Jones, após as dissidências de Adler e Stekel e durante a crise que terminaria com a defecção de Jung, foi instituído um comitê secreto com seis membros, verdadeiro “colégio de cardeais”, em torno de Freud. Há “profetas”. No Hospital Psiquiátrico de Burghölzli, onde Jung trabalhava, diziam que Freud era Alá, e Jung, o seu profeta. Também se comparou Jung a Jesus, e Freud a João Batista. Há “missionários”. Freud esperava que Jung promovesse a difusão da psicanálise para além dos meios judaicos em que ela se encontrava inicialmente confinada. Na expressão de Fromm, Jung seria uma espécie de “Paulo da nova religião”. Há “heresias”. Numa carta a Pfister, datada de 24 de janeiro de 1919, Freud descreveu como “heréticas” as opiniões do pastor sobre a constituição e o significado da pulsão sexual; em Um estudo autobiográfico (1925), Freud se referiu a Adler e a Jung como os dois “hereges”. Há “excomunhões”. A segunda cisão do movimento psicanalítico francês, aquela que excluiu Lacan, ocorrida em 1964, ficou conhecida como a “excomunhão”. Há “católicos” e “protestantes”. Pode-se comparar a Associação Internacional de Psicanálise à igreja católica e os lacanianos aos protestantes. De fato, a primeira, fundada pelo próprio Freud, tem um caráter oficial; o cisma lacaniano, por sua vez, resultou numa verdadeira pulverização do movimento psicanalítico. Há Weltanschauung (cosmovisão). Apesar do que Freud escreveu, a teoria psicanalítica pode perfeitamente funcionar como uma visão globalizante. Segundo François Roustang – que foi psicanalista e padre jesuíta –, há psicanalistas que só entendem de psicanálise; para eles, a psicanálise é tudo, um discurso totalizante, análogo ao discurso religioso.
Essa lista poderia ser aumentada: no movimento psicanalítico, há também “oráculos”, “anátemas”, “conversões”, “noviços”, “liturgia”, “moral”, “hierarquia”, “intolerância” etc. Mas o que acima está elencado já basta. Não parece haver nenhuma impropriedade em afirmar que a psicanálise, muitas vezes, tem funcionado como uma religião. Talvez isso explique, ademais, o ateísmo de muitos seguidores de Freud. São ateus porque professam outra espécie de “religião”.
Como se vê, as relações entre a psicanálise e a religião dão o que pensar. O que pensar, o que falar, o que escrever. São seis, portanto, e não apenas cinco, as minhas frases sobre a matéria. Mais uma: “Psicanálise e religião dá o que pensar”.
Ricardo Torri de Araújo
é padre jesuíta, professor do Departamento de Psicologia da PUC-Rio e autor de Deus analisado: os católicos e Freud (Loyola).
Fonte: Revista Cult - Ed. 190

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Conheça as ideias básicas da terapia criada por Freud


Veja mitos e verdades sobre psicanálise
As palavras são associadas, interpretadas, esmiuçadas. Na psicanálise, a cura se dá por meio delas.
Atenção às palavras: tudo bem usar "recalque", "projeção" e outros termos saídos desse campo e já incorporados. Mas confundir os "psis", o que é comum, não.
Psicanalista é uma coisa, psiquiatra, outra.
Psiquiatra é médico: estuda transtornos mentais e os trata prescrevendo remédios.
O psicólogo também estuda saúde mental, mas não receita. Ele estuda o "software que roda no cérebro", como diz Francisco Daudt, colunista da Folha. Há muitas linhas de psicologia, muitos jeitos de estudar comportamento.
Terapeuta é quem cuida. Psicoterapeuta, então, é quem cuida do funcionamento mental das pessoas usando alguma técnica como psicodrama ou as das terapias cognitivo-comportamentais.
Já o psicanalista estuda o tal "software" segundo o modelo de Freud, isto é, partindo da premissa que o inconsciente governa muitas das ações humanas.
O psicanalista pode ser um teórico ou um psicoterapeuta que cuida de pessoas usando a ferramenta psicanálise.
Parte fundamental dessa ferramenta é o método da associação livre, criado por Freud para sondar o inconsciente. Nele, o paciente é levado a falar sobre seus pensamentos de forma a revelar a origem de seus conflitos.
No centro dos conflitos estaria o complexo de Édipo, conjunto de impulsos amorosos e hostis dirigidos pela criança aos pais.
O conceito fazia mais sentido quando a única forma de família tinha figuras de pai e mãe bem definidas. E hoje?
Édipo não precisa ser entendido como antes, ao pé da letra, diz Isabel Gomes, professora de psicologia da USP. "Se duas mães fazem as funções materna e paterna, a triangulação se mantém."
NINGUÉM É PURO
Psicanalistas freudianos puros são raros, diz o psicanalista Luiz Tenório Oliveira Lima. "Analistas experientes transitam com a tradição de Freud e a dos sucessores."
A primeira grande mudança na psicanálise veio com a austríaca Melanie Klein (1882-1960). Ela mostrou que crianças já podem ser analisadas desde cedo.
"Alguém que atende crianças não pode ignorar as contribuições de Klein", diz Luís Claudio Figueiredo, que estuda a autora.
Klein substituiu a associação livre pela interpretação de desenhos, brincadeiras e jogos, nos quais a criança já expressa suas fantasias.
Segundo o psicanalista Daniel Delouya, é uma linha eficaz para tratar psicoses infantis. Nessa terapia, a criança cria uma realidade própria com suas fantasias. "Klein trabalha bem esse mundo interno da criança."
Nem tudo é mundo interno para os seguidores de Donald Winnicott (1896-1971). O pediatra inglês pôs o ambiente na equação psicanalítica, defendendo que o desenvolvimento da criança depende de segurança, dada principalmente pela mãe.
Essa linha "acolhe mais" o paciente, diz Elsa Dias, da Sociedade Brasileira de Psicanálise Winnicottiana.
Segundo ela, essa corrente serve sobretudo para transtornos alimentares e síndrome do pânico, que teriam raiz em um encontro não muito acolhedor da criança com o mundo.
Nessa visão, a anorexia se relaciona a problemas no aleitamento; o pânico, a um bebê interrompido a toda hora pela mãe intrusiva.
Sucessor de Klein, Wilfred Bion (1897-1979) contribuiu para a análise repensando a relação analista-paciente.
"O analista não é só a figura sobre a qual o paciente projeta ou transfere: ele se observa nessa relação", diz Adriana Nagalli, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Além de se observar, ele devolve ao paciente as próprias experiências.
Segundo Nagalli, esse vínculo ajuda o paciente a tolerar frustrações. "Ao compreender que seu analista também falha, você suporta melhor suas limitações."
O francês Jacques Lacan (1901-1981) temperou a psicanálise com a linguística. O inconsciente, para ele, só é acessível pelo verbo, já que é a linguagem que organiza e traduz as experiências.
TEMPO TERAPÊUTICO
Lacan reformulou a duração da sessão, propondo o ªtempo lógicoº. Em vez dos clássicos 50 minutos, o analista define o término conforme a situação.
"Na linha freudiana, o analista é uma folha em branco sobre a qual o paciente projeta sua vivência. Quando Lacan introduz o tempo lógico, o analista passa a existir", diz Anna Veronica Mautner.
Segundo Jorge Forbes, do Instituto de Psicanálise Lacaniana, o tempo é fator terapêutico. "Prefiro a arbitrariedade de quem dirige a terapia do que a do relógio", diz.
Lacan mostrou que Édipo não dava conta de explicar novos sintomas do mundo moderno, com menos regras definidas e mais necessidade de tomar decisões, explica Forbes. "O analista põe as cartas na mesa e faz o paciente a se responsabilizar pelas suas decisões."

Fonte: Folha.com/Saúde e equilíbrio

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Freud: além da alma

Trecho do filme do ano de 1962, do diretor norte-americano John Huston, "Freud" (em português, "Freud, além da alma"), onde o criador da psicanálise apresenta aos cientistas suas teorias sobre a sexualidade humana. No papel do pensador austríaco, vemos o ator Montgomery Clift.


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