domingo, 7 de abril de 2024

ROGÉRIO ROCHA no Dialogando com a Biblioteca!

domingo, 14 de janeiro de 2024

A Maçonaria no Divã: as perspectivas e as contribuições dos não maçons


Ivan Antonio Pinheiro[1]
Lucas Vieira Dutra
[2]
Jorge Antônio Mendes [3]

1.    Introdução

A motivação preliminar para este texto surgiu das evidências trazidas por Pinheiro (2023), quais sejam: a de que os livros (nacionais) têm larga preferência como fonte de consulta dos autores-pesquisadores-maçons: com 150 citações superam com larga margem os periódicos (37) e os relatórios de pesquisa (12), e mesmo estes possuem um viés, a forte concentração em poucos autores. Chama ainda a atenção a autoria dos livros: em sua maioria escritos por maçons. É importante ter em consideração que a fonte de dados utilizada por Pinheiro (op. cit.), grosso modo, possuía a intenção prospectiva: tecer considerações sobre o futuro da Maçonaria que, já há tempos é diagnosticada como em estado de crise, recentemente agravada pelas circunstâncias decorrentes da epidemia Covid-19 e pela crescente intolerância e intransigência no seio das sociedades que, no limite, levaram ao estado de beligerância que se estende às Nações. Encapsuladas pelos grandes temas, emergiram então as questões que, no entendimento dos autores, assolam a Ordem: indicação e seleção equivocada de membros, conflitos geracionais, docência errante e claudicante, falta de motivação dos quadros, falta de gestão, de financiamento, entre outras que a leitura dos textos pode complementar; tudo isso em meio a um saudosismo melancólico. E ainda que as condições de partida importem, o que mais releva é a qualidade do diagnóstico, de fundamental importância para delinear não apenas os prognósticos – eventuais futuros rumos -, mas sobretudo para estabelecer os objetivos, as metas e identificar as estratégias, bem como as melhores formas para implementá-las à luz das condições, como é o caso da união em torno de uma forte liderança. Erros no diagnóstico, com grande probabilidade, poderão comprometer o sucesso do empreendimento.

Isso posto, uma das primeiras questões levantadas foi: as fontes de consultas majoritariamente utilizadas pelos autores-pesquisadores-maçons, tendo como amostra o estudo de Pinheiro (op. cit.), poderiam, de algum modo, ter incorporado algum viés na formulação do diagnóstico e nos seus desdobramentos? Encetada a pesquisa bibliográfica com o intuito a respondê-la, outras questões emergiram.

Para responder à primeira questão, ao acervo já disponível os autores reuniram novas fontes submetidas à seguinte condição: a autoria não poderia ser de maçons; todavia, considerando que algum autor masculino poderia ser Iniciado mas não ter se identificado como tal, optou-se por privilegiar os textos de autoria exclusivamente feminina, o que de imediato remeteu à produção intelectual proveniente da Academia – teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso e os seus desdobramentos na forma de artigos. Para que se tenha mais claro a inversão promovida, um dos textos utilizados neste trabalho, a tese de Colussi (1998), logrou somente uma citação na amostra de Pinheiro (op. cit.), a mesma frequência de uma das fontes utilizadas pela pesquisadora, e reconhecida de grande relevância na área, a dissertação de Alexandre M. Barata[4] que, segundo a autora, à época o “único estudo acadêmico específico sobre a maçonaria brasileira”. De imediato, quase que de modo inconsciente, surgiu uma curiosidade, mas não uma nova questão de pesquisa: haveria alguma particularidade na visão feminina acerca da Maçonaria?

E em que pese a Maçonaria estar presente no Brasil já há mais de 2 (dois) séculos, enquanto objeto de estudo nas Universidades ela ainda é recente, o que sinaliza não só para a existência de um amplo e fértil campo para o desenvolvimento de estudos e pesquisas, como também para a formação de parcerias individuais ou institucionais – Lojas, Potências e Federações. Ademais, como subproduto inesperado, foram identificados periódicos que embora não tenham como foco específico o trato de temas maçônicos, são receptivos à avaliação e publicação de textos porque a Maçonaria, como subtema de interesse, encontra-se ao abrigo de grandes áreas como é o caso da História, das Ciências Sociais, das Ciências Políticas e outras; e com uma vantagem sobre as publicações maçônicas: enquanto estas resistem à publicação de textos com mais de 5 páginas, e raramente se entre 10/15, aquelas, em razão dos critérios de avaliação, são mais flexíveis e receptíveis aos textos maiores. Ademais, enquanto na literatura maçônica é raro encontrar trabalhos que reportem as iniciativas assistenciais e filantrópicas da Ordem, a literatura acadêmica, em rápida pesquisa disponibilizou o de Alves (2023) e o de Silva e Monteiro (2018). Finalmente, a Ordem parece ainda não ter se dado conta ou, se é ciente não tem interesse: a abertura para a Academia ampliaria as suas conexões com a sociedade, levaria o tema Maçonaria a ser conhecido e debatido em outros ambientes e pelos mais diversos públicos, não maçons, como se verifica nos Congressos, nos Seminários, nas Amostras Técnicas, Científicas e Profissionais (nacionais e internacionais).

E para que se tenha uma ideia (insuspeita) da importância dos trabalhos acadêmicos como fontes de pesquisa para a Maçonaria, 2 (duas) citações de Costa (1998, 2001) extraídas da coletânea de textos reunidos em “A Trolha na Universidade”:

Procurar conciliar os estudos maçônicos com o método acadêmico, tem sido a nossa maior preocupação nestes dois anos de publicações. Preocupa-nos os “achismos”, assim como a falta de hermenêutica com relação aos textos que procuram historiar a Maçonaria. No lugar da interpretação, temos adornos sem maiores significados (1998, p. 85).

O exemplo mais dramático foi o conjunto de toda uma literatura a respeito da participação maçônica na Conjuração Mineira. Isto faz com que a história maçônica se pareça com ficção sem o método que nos permita fazer a ficção se transformar em história (1998, p. 91).

Conforme pode ser observado, a maior preocupação de Costa diz respeito à utilização do método (científico) enquanto ferramenta para dar sustentação (validade, credibilidade, continuidade, avanço no estado da arte, etc.) aos textos maçônicos, sem o que não passam de ficção, não raro na forma de manifestações apaixonadas; em linguagem mais contemporânea: textos de maçons para maçons, todos dentro da mesma bolha, daí o mútuo encantamento. Infelizmente essa realidade não é exclusiva do Brasil como se depreende das palavras introdutórias de Cooper ao seu próprio livro:

Escritores modernos sobre a Franco Maçonaria frequentemente reivindicam algum tipo de visão exclusiva sobre a Ordem, que ninguém ofereceu anteriormente. Na verdade, esse é o caso raro, e muitos desses autores meramente reproduzem ideias oferecidas por gerações anteriores de escritores sobre o assunto. Não tenho dúvidas de que todos eles adicionaram seus estilos pessoais, mas raramente qualquer uma das últimas teorias sobre a Franco Maçonaria é verdadeiramente original. Essa é uma das razões de a Ordem não ser amplamente estudada no mundo acadêmico, no qual é considerada um tema estranho. E isto é triste, porque, como foi demonstrado pelo professor David Stevenson, a Franco Maçonaria como um fenômeno cultural e social tem muito a oferecer ao estudante de História (COOPER, 2009, p. 15-6).

Essa realidade não passou despercebida aos olhos de Colussi (op. cit.) que, então, descreveu 3 (três) conjuntos historiográficos:

  1. o composto de obras com teor de uso interno da Ordem (administração, doutrina, simbolismo, etc.);
  2. o constituído de obras relacionadas com a história da maçonaria, escritas por historiadores descomprometidos ideologicamente com a instituição; e,
  3. aquele que reúne historiadores preocupados com a história da maçonaria em razão de um comprometimento ou engajamento ideológico favorável ou contrário à instituição.

São notáveis as diferenças (abordagem, argumentação, fundamentação, fontes e referências, discussão, análise crítica, autocrítica, reconhecimento de que determinado fenômeno ainda é uma conjectura e que merece mais estudos, etc.) entre os três conjuntos quando o(s) autor(es) emprega(m) o método científico:

  1. a título de ilustração, logo de pronto Cooper (2009,p. 15) avisa: “[…] vivo e trabalho na Escócia como franco-maçom “profissional””; um efetivo alerta para que o leitor tenha em consideração esta condição pessoal ao apreciar cada juízo encontrado no texto que inicia – um caso raro de sinceridade e honestidade intelectual, pois poucos declaram os seus comprometimentos. Não obstante, o se segue é uma dissertação repleta de citações, fontes, diálogos com os autores, discussões de alternativas e a indicação de fartas referências caso o leitor deseje esclarecer ou aprofundar sobre este ou aquele tópico abordado; portanto, um representante do grupo (1). Entre os autores nacionais, cabe menção aos trabalhos desenvolvidos por Ismail (2021) e Castellani (2000, 1989);
  2. já Stevenson (2009, p. 11), em que pese a declarar “não sou maçom, nem pretendo ser”, segue estrutura análoga a de Cooper, pelo que pode ser considerado um representante do grupo (2); e, por fim,
  3. Rizzardo da Camino, um dos mais aclamados autores nacionais, pode ser tomado como representante do grupo (3) a partir da amostra ora consultada porque a única disponível (2013, 2011, 2007, 2007a). De regra inexiste argumentação, princípio-meio-fim, proliferam coletâneas de frases ou períodos desconectados, algo que se aproxima dos aforismos típicos das reflexões sobre a ética no período pré-socrático. O leitor leigo (não-Iniciado) não consegue distinguir as vastas citações (certamente dos rituais e provavelmente de outros textos) porque elas não estão devidamente destacadas; assim, também não consegue distinguir quando é o autor (Rizzardo) que se pronuncia e se posiciona ou quando dialoga (para contestar ou corroborar) com as fontes consultadas, as quais, por sua vez, também não estão referenciadas. Ao leitor desavisado – um curioso ou estudioso, “marinheiro de primeira viagem” – tudo se passa como se toda a produção intelectual que tem em mãos fosse fruto de uma só mente, a do autor, o que não é justo e tampouco perfeito.[5] Por oportuno, cabe esclarecer: nada impede e tampouco é incorreto que um autor relate e exponha a sua visão pessoal sobre o fenômeno em tela, mas isto deve ficar absolutamente claro, bem como os termos (foi um sonho, são as expectativas do autor, tem amparo nas suas crenças, na sua vivência, etc.) a fim de que o leitor possa decidir pelo uso ou não da respectiva informação também em razão da sua representatividade.

O leitor-pesquisador deve, pois, ficar atento às fontes consultadas, notadamente as obras enquadradas no terceiro grupo, pois as análises tendem a ser ideologicamente comprometidas (francamente a favor ou visceralmente contrárias), eventualmente distorcidas porque subtraídas ou adicionadas de elementos estranhos aos fatos, razão pela qual são reconhecidas como “obras de caráter simplista, fantasioso e caricatural”, não obstante, são as preferidas por muitos.

A realidade do estudo e da pesquisa maçônica no Brasil deveria ser merecedora de maior atenção. Ismail (2017, p. 155) em estudo sobre a geração de maçons da segunda metade do séc. XX, concluiu que:

de forma geral: têm pouca escolaridade; sem cultura de estudo, estudam pouco a Maçonaria; sem hábito de leitura, muito do que sabem sobre a Ordem é de “ouvi falar”; e mesmo a parcela que desenvolveu o hábito de leitura, sem um conhecimento acadêmico básico, consumiram, principalmente, livros sem qualquer fundamento ou referências; eles vivem maçonicamente do “passado glorioso” da Ordem, incluindo a crença de que Tiradentes era Maçom, dentre outras […]

Qual seja, o maçom tipo brasileiro é consumidor dos produtos que na classificação de Colussi se encontram no grupo (3). E se desde então ocorreram mudanças, elas ainda não foram clara e indiscutivelmente detectadas por novos estudos e pesquisas. Assim, em meio a esse cenário há ainda o risco referido no trabalho de Pinheiro (2021a), cujo título é autoexplicativo quanto ao teor, “O Homem (maçom) de um Livro Só”, e de onde se extrai a seguinte citação: “Há quem diga que um pouco de conhecimento é mais perigoso do que nenhum, porque quem sabe um pouco não sabe o bastante para saber que só sabe um pouco”. São inúmeras as consequências, em geral adversas, tanto pessoais quanto para a Ordem, do leitor de um único livro; todavia, são essas as condições de fundo e em meio as quais a Maçonaria tem formado os Mestres orientadores (Luzes) dos seus Aprendizes e Companheiros. E de outro lado, o inverso (o acúmulo de leituras) tende a ser um diferencial positivo, e também tanto para os indivíduos quanto para a Ordem.

Mas por que essa enfática defesa do texto-pesquisa “padrão acadêmico”? Em primeiro lugar porque os autores (quando estudantes – graduandos, mestrandos ou doutorandos) são treinados no chamado “método científico”; em segundo, porque orientados e supervisionados por pelo menos um profissional de graduação superior à sua (se graduando, por um Especialista ou Mestre; se mestrando ou doutorando, por um Doutor ou Pós-Doutor); em terceiro, porque para ser aprovado, previamente necessita ser escrutinado por examinadores de grau superior (ou mais experientes) do que o do(s) orientador(es); finalmente, se veiculado em um periódico ou apresentado em Congressos e afins – pelo que constarão dos anais -, é porque foi submetido a mais uma Comissão de Avaliação, as quais habitualmente obedecem ao critério double-blind peer review para evitar que questões pessoais (de afeto ou desafeto) interfiram no processo de avaliação e seleção. Tudo isso assegura “qualidade 100%”? Se é certo que não, também certamente é melhor do que a ausência de filtros, critérios e transparência, bem como tende a evitar os posicionamentos aprioristicamente definidos e pelos mais diversos motivos, a favor ou contra, pois antes e acima de tudo o que se objetiva são contribuições e conclusões fundamentadas.

Feitas essas considerações preliminares em defesa da importância da abordagem acadêmica-científica nos estudos em geral e nos relativos à Ordem em particular, bem como quanto à motivação, à questão de pesquisa e a estratégia justificada dos autores, o objetivo principal deste trabalho foi o de avaliar se as diferenças provenientes das fontes consultadas (livros vs periódicos acadêmicos, Iniciados vs não-Iniciados e gênero da autoria) são potentes o suficiente para criar percepções capazes de alterar a primeira etapa dos estudos prospectivos: a formulação do diagnóstico – a visão do ambiente, de si mesmo (no caso, da Maçonaria), das suas forças, fraquezas e das suas relações com os demais agentes.

Conforme já sugerido, entende-se que essa é uma questão fulcral para as proposições e os encaminhamentos subsequentes. À guisa de contraponto, como “grupo de controle” às percepções das pesquisadoras, sugere-se a leitura dos textos selecionados a partir do Edital I do Concurso Literário da CMSB (MORAIS, 2020). Note-se que a proposta transita pelo confronto das percepções provenientes de duas fontes (“grupo de controle” vs pesquisadoras) e como estas repercutem na formulação dos diagnósticos indispensáveis às formulações prospectivas.

Admitindo-se que determinadas afirmações são lugares-comuns na Maçonaria, o que a seguir se destaca, em razão da natureza e dos objetivos do próprio estudo, são as manifestações das fontes consultadas, especialmente quando contrárias ao senso hegemônico na Ordem.

Na sequência, alguns tópicos que, acredita-se, permitirão ao leitor formar juízo acerca, entre outras, das questões levantadas.

2.    A Fraternidade Fraturada

Em brevíssima retrospectiva histórica, já nos anos imediatamente após o surgimento da Maçonaria Moderna surge a primeira grande divisão – vá lá, se não foi divisão, como afirmado por alguns, uma nova vertente, o que em nada difere porque o resultado se assemelha: a quebra da unidade pretendida pela Grande Loja Mãe. Se a explosão e a fragmentação dos Ritos, seguida da expansão continental da Maçonaria, de um lado correspondeu à expansão da Ordem, do outro trouxe uma nova ordem à divisão que não chegou, posteriormente, a ser eliminada a partir da união dos Antigos com os Modernos. Hoje, grandes escolas de maçonaria são consideradas irregulares não por deficiências, limitações ou impropriedades, mas simplesmente pelo afastamento da ortodoxia emanada (imposta?) pela Grande Loja Mãe; por vezes decisões meramente políticas passíveis de reversão ao sabor dos interesses e das conveniências.

A Maçonaria brasileira não foge à regra: a matriz francesa antecedeu a vertente portuguesa – a do colonizador –, assim, esta teve que disputar espaços com aquela, de modo que desde a origem não se observa a unidade. No período do Império a divisão estava presente no seio das Lojas, ora pela presença dos republicanos que se opunham aos monarquistas, mas também do grupo dos abolicionistas que antagonizavam os escravocratas, mais adiante, a divisão maior: o Grande Oriente do Lavradio vs o Grande Oriente dos Beneditinos. A questão do Grande Oriente do Brasil vs Supremo Conselho, que já estava em gestação, eclodiu em 1927 e trouxe nova dissidência – o surgimento das Grandes Lojas Estaduais; e em 1973 uma nova crise deu origem aos Grandes Orientes Independentes. Resulta que a maçonaria brasileira, junto à comunidade internacional, hoje é uma instituição singular.

Sempre será possível encontrar exceções; todavia, e de regra, no imaginário de muitos autores nacionais a Maçonaria é uma sólida organização monolítica, o que, por consequência, lhe conferiria poder e influência desde idos tempos. Assim, os diagnósticos, as propostas e as estratégias são elaboradas como se passíveis de aplicação extensiva a toda capilaridade organizacional porque submetida a um comando único. Embora todos saibam que não é e nunca foi assim, os discursos e as propostas sugerem o oposto.

A realidade, entretanto, aponta para a diversidade política, social e religiosa como marcas no interior da Organização; Colussi (op. cit.) é categórica: “[…] sobressaiu-se a tendência permanente de cisões no seio da maçonaria, não se podendo falar de uma única maçonaria brasileira”, conclusão também endossada por Francisco (2022, p. 2) que, da primeira destaca: “a homogeneidade da instituição e de seus integrantes foram muito mais frutos da própria difusão da literatura maçônica e antimaçônica do que de estudos acadêmicos específicos”. Maçons que escrevem para maçons e que têm por base a literatura maçônica, autorreferente, criam narrativas ilusórias de uma unidade inexistente. Isso, em última análise, decorre da falta do método (científico) referido por Costa (op. cit.). Ademais, Colussi esclarece que o que em meio à diversidade ainda conferia homogeneidade ao grupo maçônico era a defesa de princípios genéricos do liberalismo e do cientificismo, aspecto este que também criava um inimigo comum: a Igreja católica.

E considerando que na origem deste texto se encontram as reflexões prospectivas, cabe então a pergunta: qual a atualidade dessas bandeiras no estado laico, democrático e de direito, como é o caso do Brasil contemporâneo? É verdade que nem uma conquista pode ser assegurada como definitiva, o que então demanda esforços para a manutenção, pois por vezes em um átimo (em uma eleição, em uma legislatura ou ciclo de governo) ocorrem retrocessos e tudo pode ser posto a perder; mas teriam elas (as bandeiras) a mesma força aglutinadora apresentada no passado? Assim, em complemento: na atualidade, quais são as bandeiras que, se não unificam, poderiam catalisar a reunião dos esforços dos Irmãos?

Portanto, tudo aponta para a cizânia, não obstante, reitera-se, os planos são traçados como se unidade e universalidade houvesse. Enquanto Colussi estudou a realidade gaúcha, Francisco se deteve sobre o ambiente paulista, mas ambas constataram a presença de grandes diferenças internas à Ordem. A primeira salienta as diversidades regionais:

Chamou a atenção também, e esse tema mereceria também um estudo específico, a receptividade da instituição maçônica nas regiões de colonização alemã no Rio Grande do Sul. O número de lojas maçônicas que realizavam seus trabalhos em língua alemã foi muito superior ao daquelas lojas que trabalhavam em língua italiana ou que eram formadas por italianos e descendentes. Imigrantes alemães ou descendentes de maioria protestante estiveram, assim, mais próximos do discurso liberal maçônico; em oposição, no caso dos italianos e seus descendentes, entre os quais o catolicismo predominou, a maçonaria enfrentou muitas dificuldades.

Já a segunda, ressalta o ambiente interna corporis a partir da realidade encontrada em duas Lojas “tipo”, pois exerceram influência sobre outras:

Pertencentes a obediências diferentes, as Lojas Piratininga e América trataram o tema da abolição de formas distintas: a Piratininga envolveu os setores mais conservadores e escravistas na sua loja, enquanto a América contou com a participação de integrantes mais progressistas, parte deles com envolvimento direto com o movimento abolicionista (FRANCISCO, 2022, p. 3).

Prevaleceu na loja Piratininga [vinculada ao Grande Oriente do Vale do Lavradio] a presença de maçons escravocratas, posição ideológica que prevaleceu notadamente e foi registrada nas atas maçônicas. Por diversas vezes, a discussão levantada sobre a iniciativa de barrar a entrada de maçons escravistas na organização foi vedada. Em contrapartida, a loja América, vinculada à ordem dos Beneditinos, considerada mais liberal, envolveu maçons preocupados com as questões sociais e políticas correntes fora do círculo maçônico (op. cit., p. 5).

Dessarte e em primeiro lugar, ao invés de difundir e celebrar o papel pró-abolicionista da Maçonaria, tão típico dos autores (independentemente se maçons) comprometidos e engajados – criadores de ficção -, o mais justo e perfeito é referir que a luta social e política que havia no seu entorno, também ocorreu internamente à Ordem, das Potências às Lojas. Situação análoga, mas sobre a qual não se adentrará em detalhes, se verifica quando analisados os posicionamentos políticos: Conservadores (monarquistas) vs Republicanos (liberais) ainda que admitidas combinações matizadas. Fica patente também, contrariamente ao discurso oficial e às Constituições de Anderson, a efervescência política no seio da Maçonaria. Incoerências internas?

Em estudo sobre um período mais recente da História brasileira, Alméri (2007, p. 45) constatou que a fragmentação só adquirira novas formas e motivações:

Apesar do formal apoio à ditadura e da não existência de perseguições explícitas à instituição maçônica, alguns homens da Maçonaria, dessa época, como o secretário da cultura, sofreram pressões do grupo, foram denunciados pela própria Ordem e julgados como “pessoas de esquerda”, portanto inadequados a pertencerem à Maçonaria. Fica, consequentemente, claro que a Maçonaria como Instituição apoiou a ditadura militar formalmente, como será visto a seguir; porém, isso não quer dizer que todos os membros da Maçonaria tinham uma opinião unânime.

Por oportuno, achados de pesquisa semelhantes aos de Alméri podem ser encontrados também em Ismail (2017, 2021); em comum a ambos, o recurso às fontes documentais e acessíveis – uma imposição do método.

Independentemente de alguma pesquisa formal e estruturada, será que passadas as duas últimas campanhas para as eleições presidenciais no Brasil é possível ainda haver dúvidas quanto às divisões existentes na Maçonaria, a mais evidente a distribuição dos seus quadros ao longo do espectro político e com representantes (bem) posicionados nos extremos? É concebível, só porque a Loja está aberta, que os Irmãos fiquem ao largo dos acirrados debates do entorno que opõem os criacionistas aos evolucionistas (versão atualizada da fé vs ciência – matéria que repercute na educação dos filhos), notadamente em um país católico (pelo menos na formalidade estatística)?

A bem da verdade não surpreendem as divisões internas à Ordem, mas antes a crença difundida, explícita ou tacitamente, como se ela unitária fosse. Essas são apenas algumas das questões que atualizam e mantêm em xeque a problemática da unidade maçônica, ora visto como ponto fulcral às considerações que organizam, desde as bases históricas, os delineamentos dos planos para o futuro.

Em segundo lugar, é razoável depreender das entrelinhas das citações que as amostras analisadas pelas pesquisadoras[6] obedeciam a uma estratégia (se deliberada ou emergente é questão em aberto) para a indicação e a seleção de novos quadros, sem o que não teriam reunidos pessoas tão afins em cada grupo. Resultado: maior unidade interna, maior facilidade de reunião e cooperação de esforços no sentido ao objetivo comum (e isto é importante: o texto sugere que as Lojas possuíam objetivos bem definidos, o que levava aos comprometimentos individuais) e, não menos importante, é provável que o nível de conflitos (tão ressaltados nos estudos contemporâneos) fosse menor. Quantas Lojas, hoje, têm claro os seus objetivos, estratégias e ações alinhadas para, por exemplo, evitar o tão propalado conflito de gerações? Ou vige a indicação por amizade, ou ainda para a formação de grupos de apoios ao(s) “Dono(s) da Loja”?

Como foi dado a notar, a perspectiva das autoras, no que tange à unidade, difere da tradicional literatura maçônica que, reitera-se, ora tem como amostra o levantamento de Pinheiro (2023). Ocorre que é essa tradicional literatura maçônica (difundida nos livros) que, de regra, subsidia os planos, as decisões, os projetos e as iniciativas em curso.

3.    Referências, Homenageados ou Alianças Estratégicas?

Por oportuno, resgata-se, em parte, a citação de Ismail (2017, p. 155): “[…] eles vivem maçonicamente do “passado glorioso” da Ordem, incluindo a crença de que Tiradentes era Maçom, dentre outras”. A referência ao passado glorioso, de hábito, traz associada, senão heróis, figuras notáveis, como é o caso de Tiradentes citado pelo autor, não obstante inexistam evidências empíricas (registros) que comprovem a condição de maçom do herói e mártir da Inconfidência. Algo diferente, mas semelhante no propósito, é o caso de Voltaire, cuja condição de maçom é sempre exaltada; entretanto, em recentemente análise, Pinheiro e Rocha (2023) chamaram a atenção para o fato de que a Iniciação de Voltaire foi, antes e acima de tudo, uma homenagem, pois a sua vida, obra e legado nada têm a ver com a Maçonaria, sem falar que sob determinados aspectos a homenagem chega mesmo a ser questionável.

Já os gaúchos, anualmente e durante os festejos em celebração à Revolução Farroupilha prestam homenagens ao General Bento Gonçalves, maçom-comandante dos revolucionários. Entretanto, Colussi esclarece que

Em relação à primeira fase, a que coincide com o decênio farroupilha, entendemos que não existiu uma relação direta entre maçonaria e Revolução Farroupilha. Acreditamos, sim, que as origens do movimento maçônico no Rio Grande do Sul estiveram, de fato, vinculadas à difusão embrionária do pensamento liberal nessa parte do país. A primeira loja maçônica foi organizada a partir de um gabinete de leitura, o Continentino, espalhando-se depois para os principais centros urbanos do período […] Durante a fase farroupilha, a maçonaria gaúcha dava seus primeiros passos, por isso ele não pode ter sido um agente influenciador da revolução; ao contrário, a revolução atrasou em muito a organização da instituição no Rio Grande. Desse modo, a presença de maçons entre os líderes farrapos não é argumento suficiente para estabelecer um vínculo entre a instituição e o movimento farroupilhas, isso por duas razões: a primeira, pelo fato de existirem maçons farrapos e maçons legalistas; segundo, por terem algumas lideranças farroupilha sido iniciadas na Ordem nos anos finais do conflito, o que impossibilitaria uma influência maçônica anterior à eclosão da revolução. Foi somente no período posterior ao final da revolução que a instituição encontrou condições para uma efetiva e mais permanente expansão no Rio Grande do Sul.

As ponderações da autora, certamente, vão de encontro ao mainstream da literatura e da cultura maçônica,[7] habituada a associar e amplamente divulgar os eventos julgados positivos à sua conveniência, comportamento compreensível desde que não contrarie a realidade histórica documentada.

Ademais, não se pode perder de vista que as celebrações das façanhas farroupilhas só vieram a acontecer após o êxito da Proclamação da República; assim, por quase meio século a história farroupilha foi mantida em ostracismo, e não poderia ser diferente pois, afinal, os revoltosos contra o Império foram os derrotados – a historiografia mais romantizada prefere a expressão “paz honrosa”, largamente referida. A chegada da República, cujos ideais em parte correspondiam ao dos Farroupilhas, possibilitou, então, o revisionismo histórico que, hoje, beira à ficção, como é o caso da cidade de Porto Alegre, cujo brasão ostenta a frase: “Leal e Valorosa Cidade de Porto Alegre” – título que D. Pedro II do Brasil, em 1841, outorgou a Porto Alegre pela sua constância e fidelidade ao trono brasileiro durante a Revolução Farroupilha. As citações abaixo não deixam margem a dúvidas:

Se entre os revolucionários muitos obedeciam às inspirações das ideias federativas e, mesmo, republicanas, e pelas quais esperavam lutar, é certo que a maioria se contentava em derrubar o presidente da Província e o comandante das Armas, substituindo-os por homens mais esclarecidos e tolerantes. É esse o pensamento transparente no manifesto de Bento Gonçalves. Depois a revolução tomou outros caminhos […] (FERREIRA FILHO, 1965, p. 77).

Os fatos históricos se juntaram à ficção, e o episódio passou a ser narrado conforme a conotação político-ideológica de cada época. Com o passar do tempo, os farrapos começaram a ser reverenciados como heróis, o que perdura até hoje […] Na época, o termo gaúcho era pejorativo, designava os gaudérios que vagavam pela Província […] (URBIM, 2003, p. 171).

Já em relação a Luiz Gama, celebrado maçom abolicionista, Francisco (2022a, p. 7) informa que:

Além disso, vale ressaltar que o trabalho realizado nos tribunais por Luiz Gama já era praticado pelo abolicionista antes da criação da Loja América. Desde 1865 [a Loja foi instalada em 1868], o abolicionista já oferecia gratuitamente seus serviços de advogado provisionado aos africanos ilegalmente escravizados, servindo, ao mesmo tempo, de intermediário nas transações nos processos de alforriamento, agenciando os menores preços a fim de beneficiar os cativos no encaminhamento da liberdade.

O mais adequado seria, pois, afirmar que o abolicionista foi convidado a ser maçom, a integrar os quadros de uma Loja já comprometida com a causa.[8] E, com efeito, desde que ingressou na América, a ampla rede de apoio interno, somada a de proteção aos libertos (que também contava com o auxílio externo), possibilitaram a Luiz Gama ampliar o espectro e o impacto da sua atuação. Assim, “Luiz Gama soube articular como ninguém os seus interesses abolicionistas e republicanos com seus compromissos maçônicos na Loja América, na qual figurava desde 1870”. (op. cit., p. 26) De qualquer modo, nesse caso parece ter havido uma efetiva relação simbiótica-pragmática, uma aliança estratégica porém distante de qualquer ensinamento, apreciação e extensão simbólica ou doutrinária exclusivas à Ordem.

Ademais, a autora (FRANCISCO, 2022, p. 7) informa que:

Os estudantes formavam um grupo bastante representativo, mas que estava sempre de passagem pelas lojas maçônicas da cidade de São Paulo. Muitos alunos iniciados durante o curso de Direito partiam para suas cidades de origem após concluírem o bacharelado. Joaquim Nabuco e Rui Barbosa são exemplos de maçons iniciados quando frequentavam a faculdade e que acabaram abandonando a organização maçônica. Joaquim Nabuco, nascido em Recife, mudou-se para a cidade de São Paulo em 1866 para cursar Direito, permanecendo no local até 1870. Nesse intervalo de tempo, o abolicionista foi iniciado na Loja América, em 1º de abril de 1869, afastou-se da maçonaria em decorrência de seu retorno a Pernambuco, no ano seguinte. Em sua terra natal, Nabuco concluiu o bacharelado na Faculdade de Direito de Recife e “adormeceu em loja”. Caso semelhante ocorreu com o baiano Rui Barbosa. O estudante cursou os dois primeiros anos (1866-1867) em Recife, mudando-se depois para São Paulo para concluir o curso jurídico. Em 1º de julho de 1869, tornou-se maçom da Loja América, mas, no ano seguinte, após a formatura, desligou-se da organização, regressando à Bahia. Barbosa, contudo, não se reintegrou à maçonaria.

Ambos, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, figuram em todas as listas de maçons famosos, notadamente quando pretendido ressaltar o que Ismail denominou de “passado glorioso”; todavia, à luz das citações acima e, a bem da verdade, não têm correspondência histórica no que tange ao papel e à grandiosidade que se pretende, por associação, conferir à Ordem e, por extensão, aos seus quadros.

E Castellani (2000, p. 3) sintetiza o papel da Ordem nos dois grandes eventos:

O que é importante destacar é que, conforme mostra uma farta documentação, só agora resgatada, o Grande Oriente do Brasil, como instituição, não participou das campanhas da abolição da escravatura e da implantação da República. Essa participação foi de Lojas e de maçons, que se empenharam em ambas as campanhas, sob a égide e os princípios da instituição, mas sem que esta tomasse, oficialmente, partido, como acontecera em 1822, por ocasião da independência do Brasil.

Finalmente, a manifestação de Alméri (2007, p. 38):

Cabe aqui uma indagação: se José Bonifácio e D. Pedro não fossem maçons, realizariam a Proclamação da Independência do Brasil? Certamente. Mesmo a Maçonaria não existindo, a Proclamação da Independência teria sido realizada; provavelmente ela seria uma pouco diferente do que foi, mas, pela comparação com acontecimentos históricos em outros países que possuem estruturas semelhantes a do Brasil, torna-se possível analisar e constatar que as proclamações foram uma tendência que obedeceram a estruturas políticas, econômicas e sociais.

O conjunto de citações suscitam reflexões: primeiro, no sentido à humildade (valor-virtude tão caro à Ordem) quanto ao efetivo papel e densidade histórica da Maçonaria nos mais diversos acontecimentos; segundo, porque claramente a escolha e a difusão dos heróis (arquitetos do “passado glorioso”) sugere casuísmo – não se alarde, por exemplo, à condição de maçons dos ex-presidentes Jânio da S. Quadros e H. Castelo Branco; fossem outras as circunstâncias políticas-ideológicas seriam lembradas as respectivas condições de maçons?

Não obstante esses fatos, largamente documentados, muitos escritores, notadamente maçons, persistem em contribuir, sem as devidas ressalvas, para o imaginário do “passado glorioso”, bem como alimentam expectativas de que ele venha a ser resgatado e quiçá revigorado.

Mas qual a relevância de, hoje, trazer à exata medida esses fatos? Em primeiro lugar, resgatar a verdade dos fatos. Em segundo, chamar a atenção, dos estrategistas da Ordem, para os novos tempos, aonde uma das principais características é a disponibilidade e o acesso amplo e irrestrito às informações. E em terceiro, como corolário das anteriores, é a expectativa de que o cidadão médio, eventual candidato à Fraternidade, seja bem mais informado do que o maçom dos séculos XIX e XX, bem como também daquele retratado por Ismail. Portanto, é de esperar que tanto os novos, quanto dentre antigos, os estudiosos, todos se sintam desapontados quando se defrontarem com as contradições internas à Ordem; afinal, do maçom também se diz que é um buscador da verdade (PINHEIRO, 2021).

Aos neófitos e aos desatentos (“O Homem (maçom) de um Livro Só”) as incoerências e mesmo as contradições podem escapar (o que dizer, por exemplo, da Maçonaria Prince Hall?),[9] mas quando a Ordem é dada a conhecer mais a fundo e desde dentro, cresce aos olhos mais atentos e desapaixonados, a visão crítica que não escapa ao olhar dos que a analisam desde fora. À citação anterior de Alméri, e ora em parte reproduzida (“[..] sofreram pressões do grupo, foram denunciados pela própria Ordem e julgados como ´pessoas de esquerda`, portanto inadequados a pertencerem à Maçonaria”), devem ser acrescidas as seguintes linhas:

Logo que se constataram as reais intenções dos militares, várias camadas populacionais voltaram-se contra as atuações autoritárias, porém isso não ocorreu com a Maçonaria. Ela continuava a elaborar ofícios que consentiam as atuações decorrentes naquele momento […] O grande problema era que a própria instituição servia de chave para apontar ao governo maçons que possuíam um pensamento que se divergia do aceito no momento […] de apoio a uma situação governamental que contraria os seus princípios (ALMÉRI, op. cit., p. 110).

Fugiria ao escopo do trabalho o aprofundamento de determinadas questões, mas a oportunidade convida trazê-las à reflexão: hoje, como pode Ordem falar em fraternidade, liberdade de expressão e busca da verdade sem trazer à luz, debater e esclarecer o passado de traições aos princípios e aos quadros?

E mais uma vez se torna imperativo perguntar e ressaltar: por que Ismail, um Iniciado, e Alméri, uma acadêmica “profana”, chegaram a conclusões tão semelhantes entre si quanto diferentes das de outros tantos autores maçons? Por hipótese, em razão do recurso ao método acadêmico-científico (analítico-crítico-documentado) ao invés do mero automatismo da reprodução de ideias cegas pela visão apaixonada ou comprometida ideologicamente.

É preciso, pois, evitar que a realidade factual esteja submetida, como chama a atenção Urbim, à “conotação político-ideológica de cada época”, cujo limite, que levaria ao duplipensar orwelliano (ORWELL, 2005), parece estar cada vez mais próximo no chamado mundo profano. Em suma, em resposta à crise da (e na) Maçonaria é preciso antes refletir e atuar sobre os fundamentos, os princípios, atitudes e comportamentos com vistas a se antecipar aos homens que um dia acordarão e concordarão com a criança: “Coitado do rei, está nu! O rei está nu!”

4.    O Dinamismo do Contexto

Além da questão já levantada acerca de quais são as bandeiras atualmente defendidas pela Maçonaria (ou maçonarias?), é por demais importante considerar o contexto ampliado e com o devido recorte (Loja, Potência, Obediência, unidade federada ou Estado). Embora muito se fale, acertadamente, que a Ordem em essência é conservadora, a mera passagem da fase Operativa à Especulativa é, em si mesma, reveladora da capacidade e da plasticidade necessárias à adequação aos novos tempos e à espera de líderes catalisadores cujos interesses, senão necessariamente idênticos, convergentes no que é relevante para constituir a massa crítica. A explosão dos Ritos segue a mesma linha, enquanto a sobrevivência de relativamente poucos sugere a existência de mecanismos (deliberados ou espontâneos) de seleção natural. É necessário, pois, estar receptivo às mudanças, sensível ao zeitgeist.

Da seção anterior restou claro que é mais adequado referir às maçonarias ao invés de à Maçonaria, bem como que o chamado “passado glorioso” deve ser, pelo menos em parte, relativizado. Que outras considerações podem ser tecidas se o intuito é qualificar o diagnóstico, a partir da análise do passado e do presente com vistas a subsidiar os estudos prospectivos? No ambiente contemporâneo, qual é o efetivo espaço que cabe à Maçonaria e, neste perímetro, a missão institucional que efetivamente vem desempenhando? Ademais, quais são os agentes relevantes, os jogos de interesses (de onde virão as resistências, quais os possíveis aliados), as forças (os recursos) e as fraquezas de cada um, as tendências (tecnológicas, valores, usos e costumes, etc.) quando os olhares se projetam para o futuro?

Francisco (2022a), por exemplo, sublinha a importância e a grande contribuição da imprensa – à época impressa, pulverizada, com alcance restrito e geograficamente bem delimitado – à luta abolicionista e através da qual a Maçonaria mantinha a sua imagem positivamente associada (no contexto da luta pelos direitos individuais e coletivos) junto à sociedade, daí a sua força. E hoje, em tempos de grandes grupos corporativos de mídias comprometidas com os mais diversos interesses geopolíticos-econômicos-culturais-usos e costumes, e em permanente e acirrada disputa de espaços nos corações e mentes do mercado secularizado, espacialmente ilimitado e quantificado aos milhões, qual o papel e a relevância da imprensa para a Maçonaria? E se essa aliada foi perdida, quem teria ou poderia ocupar o seu lugar? E o que dizer das redes sociais e da sua capilaridade atuante em tempo real? Jogam a favor ou contra vis- à-vis à emergência dos novos valores, usos e costumes?

A mesma autora, mas já em Francisco (2022, p. 9) aponta que

Muitos estudantes acreditavam que ingressar na maçonaria poderia ser uma boa oportunidade para a construção de laços de proteção e uma possibilidade de alavancar suas carreiras após a formatura […] A rede de influência construída em torno de Joaquim Ignácio Ramalho estabelecia uma ponte direta entre a Faculdade de Direito e a Loja Piratininga. Ramalho foi um personagem importante dentro da loja por ter assegurado a iniciação de muitos estudantes […].

E na atualidade, que atrativos tem a Maçonaria para despertar o interesse dos jovens adultos, qual o approach e os argumentos para convencê-los? A Maçonaria, tanto por Colussi quanto por Francisco, foi considerada como um espaço de sociabilidade e relacionamentos capazes de “abrir portas” e alavancar oportunidades. E hoje, nesse aspecto, qual é o espaço para a atuação da Maçonaria à luz das novas profissões e competências exigidas no mercado de trabalho globalizado (que não opõe obstáculos, ao contrário, oferece estímulos à migração), bem como das formas de acesso que, exceto para os mais altos cargos, quase tudo passa, primeiro, por um filtro virtual-impessoal? Portanto, antes de se pensar em resgatar as glórias do passado é preciso avaliar se as condições que conferiram algum status e poder à Maçonaria ainda hoje se mantêm presentes; e se não mais, em que medida e como as mudanças afetam os planos para o futuro da Ordem.

As pesquisas de Colussi e Francisco trazem recortes e análises com elementos de perfil (profissão, faixa etária, estado civil, religião, etc.), mas para evitar que este texto se torne demasiado extenso sugere-se a leitura, na íntegra, das mesmas.

Ademais, mas ainda no âmbito do contexto, ao planejar o seu futuro, parece ser forçoso reconhecer que a Maçonaria hoje enfrenta inúmeros concorrentes, pois também no que tange ao que pode(ria) ofertar enquanto Escola Iniciática ela tem ficado muito aquém do seu passado e das expectativas que cria nos (ou “vende” para?) recém Iniciados; isto, s.m.j., devido ao efeito combinado dos problemas de “indicação-seleção” com os relativos à docência. Já há tempos, e a cada dia mais e mais, a Ordem toma distância das características de uma efetiva organização iniciática, a começar pelas representações simbólicas, que se não aprendidas e apreendidas na essência, não passam de meras performances teatrais. Os trabalhos que sucedem as Instruções, bem como os debates que se seguem, quando ocorrem, e que deveriam ser pautados nas lições dos clássicos (afinal, é uma Ordem conservadora), sem prejuízo aos autores contemporâneos, de regra são pobres de conteúdo analítico-crítico como reflexos da falta de (estímulo à) leitura bem como, aos orientadores, das competências necessárias para estabelecer as pontes entre o simbolismo e a realidade cotidiana, como fazem, por exemplo, os padres durante as homilias; eis pois, pasmem, um dos primeiros concorrentes contemporâneos da Maçonaria – as Igrejas – frente aos indícios de um retorno ao misticismo e ao esoterismo. As lições, o entendimento e a exemplificação de muito do que deveria constar da docência maçônica hoje podem ser encontradas, com ganhos de qualidade e custo, inclusive com extensão ao voluntariado e à filantropia, em diversas plataformas de conteúdo, a exemplo da Nova Acrópole, da Casa do Saber, da Brasil Paralelo, entre outras para se restringir às mais conhecidas no âmbito nacional. Até mesmo como (mais) um simples espaço de sociabilidade, a Maçonaria contemporânea enfrenta novos e poderosos concorrentes.

Afastada das suas raízes, fraturada e em ambiente completamente diferente (adverso?) dos que lhe proporcionaram a gênese e a expansão, a Maçonaria contemporânea brasileira, há indícios, encontra-se no divã. Frente a essa realidade, que embora reconhecida por muitos é tratada de forma encoberta, não podem ser afastadas as hipóteses de uma moratória nas admissões ou mesmo um enxugamento dos quadros até que se tenham mais claros os diagnósticos subsidiários ao delineamento dos prováveis futuros. E também nesse aspecto as lições do passado podem ser valiosas, razão pela qual deveriam ser objeto de estudos mais acurados:

Formada por maçons da cidade do Rio de Janeiro, A Semana Maçônica tinha o propósito de discutir o futuro da instituição perante a iniciação descontrolada de novos membros na organização, com base no artigo intitulado Causas da decadência da maçonaria no Brasil […] (FRANCISCO, 2022, p. 19).

Sonhos grandiloquentes, de ser o farol da humanidade, promover transformações pela via política, não passam disto: devaneios oníricos. Tais missões, inclusive constitucionalmente, cabem a outras instituições; como diz Ismail (2017, p. 152): “Qualquer Irmão que se despir da vaidade institucional verá que a Maçonaria querer influenciar a política nacional é algo tão bizarro quanto a escola dos seus filhos querer deixar de dar aula para atuar politicamente […]”.

Os tempos são outros, o futuro da Maçonaria talvez e paradoxalmente esteja nas origens, no passado mais antigo, anterior às glórias, pois a sua ação (e força) política, se ainda existentes, revelam-se residuais e de eficácia duvidosa. Hoje, com o lastro das informações disponíveis, s.m.j. o olhar no espelho pode revelar um Tigre de Papel.

Antes de encaminhar às conclusões, umas breves palavras sobre a questão do método, um dos eixos de densidade emergente neste trabalho.

5.    Generalizações Indevidas

Conforme já mencionado em Pinheiro (2023) os trabalhos de Morais (2017) e Ismail (2023) foram amplamente citados. A esses pode-se ainda acrescentar o de Ismail (2017) e o da Grande Loja Maçônica de Minas Gerais (GLMMG, 2019). Essas pesquisas, todas de grande valor, têm sido referidas por vários autores como argumentos indiscutíveis para o “estado de crise” generalizada instalada na Maçonaria brasileira. O tema, entretanto, merece uma palavra de alerta.

Quanto à pesquisa coordenada por Ismail (2023):

  • o próprio autor, à página 2, de pronto revela a “baixa participação de maçons do GOB em comparação com seu market-share, de quase 30%, pode ser reflexo da discordância de seu Soberano Grão-Mestre com a divulgação e realização da pesquisa”, o que já seria suficiente para a cautela quanto à generalização dos seus resultados para a população (cujas estimativas oscilam entre 200/300 mil) de maçons brasileiros; e,
  • o autor não oferece quadros comparativos “População vs Amostra” para os diversos recortes (Potências, unidade da federação, idade e outras categorias) que apresenta, o que acentua a recomendação anterior.

Por que, então, os seus resultados têm sido tão largamente utilizados como se a amostra fosse estatisticamente representativa de todos os estratos que discute, inclusive das idiossincrasias estaduais (e regionais) cujas diferenças foram reveladas por Colussi e Francisco? Hipóteses (não exclusivas):

  • falta de atenção dos usuários desses dados secundários; ou,
  • porque eles identificam esses resultados com as evidências empíricas, ainda que não devidamente sistematizadas, colhidas nas suas respectivas realidades, no dia a dia.

Já quanto às afirmações de Ismail (2017) – inclusive utilizadas neste trabalho -, não há qualquer esclarecimento metodológico; assim, o que lhes confere densidade é o chamado “argumento de autoridade” hoje conferido, por merecimento, ao autor. Contudo, nada assegura que esse diagnóstico efetivamente seja extensivo à toda realidade nacional (Potências, unidades federadas, Ritos e outros recortes). Todavia, para contestar as afirmações é necessário que as Potências se abram à pesquisa.

Quanto à pesquisa de Morais (2017), trata-se de uma amostra pontual, de conveniência e episódica:

  • Pontual, porque correspondente à realidade específica da Grande Loja Maçônica do Distrito Federal;
  • de conveniência, porque o estudo teve início a partir de um encontro de Veneráveis, mas não há registro, por exemplo, quanto à representatividade deste conjunto frente ao total; e,
  • Episódica, por ter estudado as evasões ocorridas em apenas um exercício.

Também aqui não há fundamentos que autorizem a generalização nacional dos resultados:

  • sabe-se que Brasília é “um país, uma realidade, à parte”;
  • o método brainstorming, utilizado na primeira fase, apresenta vantagens e desvantagens, entre estas, a sugestão (influência) recíproca, assim como o silêncio por exaustão; e,
  • nada indica que os motivos que levaram à evasão em determinado exercício sejam os mesmos observados nos anos anteriores. Questões pessoais, por exemplo, se eliminado “o problema”, a paz talvez retorne à Loja.

No que tange ao trabalho da GLMMG (2019), por motivos análogos aos já comentados, também não foram encontrados argumentos que autorizem e tampouco recomendem a generalização dos achados de pesquisa, inclusive o próprio relatório aponta inconsistência nas respostas, o que deve redobrar a cautela.

Em derradeira análise, para aonde apontam os questionamentos acima? S.M.J., para o desconhecimento da realidade do estado geral da Maçonaria brasileira. Delineia-se o futuro sem que, efetivamente, se conheça o presente, e o passado, como visto, em parte (cuja representatividade se desconhece) encontra-se escamoteado. Apesar dos novos esforços, alguns inclusive trazidos ao texto organizado por Morais (2020), são todos pontuais, estatisticamente não representativos da realidade nacional e muito menos das suas diversidades locais mais relevantes.

E a tomar como base a manifestação do Prof. K. Ismail, tem-se a narrativa que esclarece as dificuldades para a realização de pesquisas que contribuam para ampliar o conhecimento acerca da realidade maçônica no Brasil: elas têm origem “no andar de cima”, o que, à propósito, em parte também contribui para explicar por que passados mais de dois séculos de história da Maçonaria brasileira, os estudos junto à Academia ainda são esporádicos e titubeiam os primeiros passos. Todas as Potências detêm valiosas informações que anualmente poderiam ser organizadas e sistematizadas em grandes agregados, portanto sem risco de arguição de uso indevido e, então, compartilhadas. Poderiam, também, estimular os pesquisadores independentes ou vinculados às suas Lojas de Estudos e Pesquisas para que se detivessem sobre as especificidades e minúcias mais pontuais, tudo para o bem coletivo: melhor gestão, aperfeiçoamento docente, adequação às idiossincrasias, etc. Não se sabe, por exemplo, o efeito da pandemia, nos seus mais diversos aspectos, sobre a Ordem em seus diferentes recortes – regiões, faixa etária, Ritos, ocupações, etc. Também por isso, a Maçonaria, se já não está, deveria ser posicionar no divã; afinal, conhecer a si mesmo não é o pressuposto para conhecer o universo e os deuses?

A ausência de iniciativas e estímulos sugerem não haver interesses, enquanto paralelamente a Maçonaria age como se fosse um ente corporativo, aonde as informações devem ser mantidas em sigilo, senão para omitir o que não se deseja ver exposto, em razão do seu elevado valor estratégico em um mercado onde se trava acirrada competição – non sense. De modo que, se de um lado se constata a contradição nos discursos que referem à Maçonaria Unida, ao espírito fraterno, à cooperação e à harmonia, de outro, a reafirmar esta mesma contradição, a confirmação da existência não de uma, mas de várias maçonarias que competem entre si. Fechada ao público externo e ao interno, não surpreende a proliferação da literatura tipo 3, bem como se pavimentam e aumentam as distâncias da intelligentsia maçônica internacional, notadamente da inglesa, da escocesa e da espanhola.

6.    Conclusões

Por oportuno, convém lembrar o objetivo proposto:

o objetivo principal deste trabalho foi o de avaliar se as diferenças provenientes das fontes consultadas (livros vs periódicos acadêmicos, Iniciados vs não-Iniciados e gênero da autoria) são potentes o suficiente para criar percepções capazes de alterar a primeira etapa dos estudos prospectivos: a formulação do diagnóstico – a visão do ambiente, de si mesmo (no caso, da Maçonaria), das suas forças, fraquezas e das suas relações com os demais agentes.

A conclusão, inicialmente com base nos estudos de Colussi, Francisco e Alméri, todas pesquisadoras, pois esta foi a estratégia dos autores, é definitivamente afirmativa e pelos motivos a seguir resumidos.

Efetivamente, não só o retrato (dado por Colussi e Francisco, que estudaram o mesmo recorte histórico), mas também a apreciação longitudinal (em análise do conjunto, posto que Alméri se dedicou aos acontecimentos havidos um século adiante) apontam para o mesmo sentido: a visão interna que os maçons alimentam de si próprios (constituída a partir de livros) é bastante diferente daquela percebida quando a Ordem é vista desde fora (a partir de textos acadêmicos), notadamente no que tange à representação da Ordem enquanto uma entidade monolítica e, ainda hoje, de grande prestígio e poder na sociedade.

Todavia, apreciações muito semelhantes foram também desenvolvidas por Ismail e Castellani, o que sugere que, sob esse aspecto, não há qualquer diferença entre os “olhos externos vs internos”, e tampouco as diferenças (das representações) podem ser associadas a eventuais especificidades relacionadas ao gênero. O que leva, então, à convergência entre os 5 (cinco) autores, qual o ponto em comum? O emprego do método acadêmico -científico, tanto pelas pesquisadoras (não-Iniciadas) quanto pelos pesquisadores (Iniciados)!

Ademais, o estudo mostrou que:

  • a imagem de um “passado glorioso”, de Ordem poderosa e à frente dos principais acontecimentos históricos não resiste às críticas lastreadas em documentos. Antes de mais nada porque os maçons, como visto, sempre estiveram distribuídos por entre os lados – grandes blocos – que travavam as disputas, no Brasil, entre republicanos vs monarquistas, escravocratas vs abolicionistas, ultramontanistas vs secularistas, pró-governos militares vs contrários; destarte, é quase certo assegurar que qualquer episódio histórico analisado, bem como futuro, revelará o mesmo comportamento. Assim, qualquer que fosse (ou venha a ser) o lado “vitorioso”, a Maçonaria poderia (poderá) afirmar que havia dado a sua grande contribuição; portanto, a rigor ela não erra quando afirma ter estado presente, mas peca ao arrogar a si a dimensão, o espaço e a importância que não encontram respaldo histórico frente à leitura técnica, neutra e desapaixonada. Resulta, também por isso, ser praticamente impossível referir à Maçonaria como corpo unitário. Os erros e os acertos, os fracassos ou sucessos, ancorados em notórios personagens são, então, apresentados e explorados à conveniência; e,
  • internamente, embora o discurso e a prática, ainda hoje, sejam no sentido a inibir a reflexão política, o que as autoras revelaram foi o oposto: embora sempre dividida, a existência deliberada e posicionada da ação política levada a efeito pelas “maçonarias” (Lojas). Mas enquanto a base está proibida de emitir manifestações, a cúpula, à vontade, se pronuncia reiteradamente, o que de imediato coloca em xeque os princípios fundamentais da Ordem – democracia, igualdade e representatividade. Como pode a Maçonaria se pronunciar em nome das “maçonarias” sem, antes, ouvi-las? E em meio a esse cenário dividido, já remodelado em arena, notadamente a partir do observado por Alméri, mas também já apontado por Ismail, há evidências documentadas de traições e perseguições interna corporis, não apenas aos princípios, mas também aos Irmãos.

Há, pois, questões de princípios (esteios da confiança, da cooperação, da unidade – condição para a realização de empreendimentos) que, antes de qualquer traçado de futuro, devem ser devidamente esclarecidas e conciliadas à luz do passado.

As autoras exploraram outros temas não trazidos a este texto, como foi o caso da chamada “questão religiosa” vs maçonaria, analisada por Colussi; todavia, em nenhum dos casos as considerações vão de encontro às conclusões já trazidas; mas para melhor apreciação e formação de juízo, que se acredita robustecerão as conclusões deste texto, recomenda-se a leitura integral das obras citadas-referidas.

A questão acima referida como “emprego do método acadêmico-científico” reclama maior detalhamento: como visto, Colussi, grosso modo, divide os autores-pesquisadores em 2 (dois) grandes grupos: os comprometidos (envolvidos) com a Ordem; e, os isentos (neutros). A principal diferença entre ambos, com poder explicativo sobre os achados de pesquisa, é o recurso ao método acadêmico-científico para, a partir da argumentação lastreada em fontes primárias ou secundárias, construir a narrativa defendida; daí porque este texto também abriu espaço para algumas reflexões sobre o tema. E ao encontrar dois autores maçons – Costa e Ismail – que não só defendem como empregam o método acadêmico-científico, fica claro que esta não é uma atitude esdrúxula, característica e exclusiva de acadêmicos-teóricos distantes da realidade, ao contrário, é procedimento que salienta o profissionalismo e o zelo com a verdade, e mesmo, mutatis mutandis, para uso cotidiano.

Ora, se o diagnóstico da situação presente, na sua complexidade multifatorial, bem como a clareza e o entendimento da narrativa que conecta, na sua exata dimensão, o passado ao presente, são ambos essenciais para prospectar o futuro – leitmotiv do Edital I da CMSB -, com base nas diferenças de posicionamentos e avaliações encontradas, pode-se concluir que há evidências que recomendam, antes de mais nada, a realização de estudos mais aprofundados, a começar pela mineração nos Bancos de Dados das próprias Potências, mas também uma profunda análise e autocrítica de natureza axiológica.

Como subproduto da imagem grandiloquente que tem de si e que a retroalimenta, ao contrário das corporações que não hesitam em enxugar os seus quadros, reduzir estruturas, fundir unidades e mesmo se reinventar para fazer frente aos novos desafios, a Maçonaria parece ser guiada apenas por um indicador de sucesso: a contínua ampliação do número de Lojas e Obreiros, o que se constitui em mais um fator de risco frente ao ambiente pós-moderno (dinâmico, veloz, ubíquo, atuação em redes, ambíguo, incerto, etc.).

Por fim, a clareza quanto a se há uma ou várias maçonarias revela-se conditio sine qua non ao delineamento dos planos, das estratégias, dos objetivos e metas, etc. Afinal, qual é a unidade relevante que será responsável pela implementação dos programas e projetos: a Loja, a Potência ou um grupamento (ainda que informal) de Lojas com afinidades (regionais, usos e costumes, crenças, causas, etc.)? E por tudo o que foi dito, é de se concluir que a Maçonaria, se não está, deveria estar no divã, o primeiro e necessário passo para delinear o futuro.

Bibliografia citada

ALMÉRI, Tatiana M. Posicionamentos da Instituição Maçônica no Processo Político Ditatorial Brasileiro (1964): da visão liberal ao conservadorismo. Dissertação (mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Sociologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007.

ALVES, Gabrielle W. Os Braços da Salvação: a mobilização de auxílios aos infectados pela gripe espanhola (Porto Alegre, 1918). Disponível em: chromeextension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https:// http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/58291/ Resumo_20070782.pdf?sequence=1. Acesso em: 09.04.23.

CAMINO, Rizzardo da. Rito Escocês Antigo e Aceito – 1o. ao 33o.. São Paulo: Madras, 2013.

_____ . Maçonaria além dos véus. São Paulo: Madras, 2011.

_____ . Kadosh: do 19o. ao 30o.. São Paulo: Madras, 2007. _____ . O Ápice da Pirâmide. São Paulo: Madras, 2007a.

CASTELLANI, José. A Maçonaria Brasileira na Década da Abolição e da República. CopYMarket.com, 2000.

_____ . A Maçonaria e o Movimento Republicano Brasileiro. São Paulo: Traço, 1989.

COLUSSI, Eliane L. Plantando Ramas de Acácia: a maçonaria gaúcha na segunda metade do século XIX. 1998. Tese (doutorado) – Curso de Pós-Graduação em História, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, 1998.

COOPER, Robert L. D. Revelando o Código da Maçonaria – a verdade sobre a chave de Salomão e a irmandade. São Paulo: Madras, 2009.

COSTA, Frederico G. A Trolha na Universidade. Londrina PR: A Trolha, 1998.

_____ . “A Trolha” na Universidade. Londrina-PR: A Trolha, 2001. Vol. 2.

FERREIRA FILHO, Arthur. História Geral do Rio Grande do Sul: 1503 -1964. 3ª Ed. Porto Alegre: Globo, 1965.

FRANCISCO, Renata R. Entre Irmãos: sociabilidade, mobilidade e identidade maçônica em São Paulo (1850- 1888). História, São Paulo, v. 41, e2022050, 2022. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-4369e2022050.

FRANCISCO, Renata R. A Dinâmica Abolicionista nas Lojas Maçônicas de São Paulo (1850-1888). Almanack, Guarulhos, n. 32, ea00521, 2022a. http:// doi.org/10.1590/2236-463332ea00521.

GLMMG. Maçonaria do Futuro: gestão maçônica. Mimeo (pdf). Belo Horizonte: Grande Loja Maçônica de Minas Gerais, 2019.

ISMAIL, Kennyo. Maçonaria Brasileira – a história ocultada. Brasília-DF: No Esquadro, 2021. Volumes I e II.

_____ . Relatório de Pesquisa: “CMI – Maçonaria no Século XXI”. Disponível em: chrome-extension:// ef a id nbmn nn i bp c ajp c g l c lef in dm ka j/h tt p s :// http://www.noesquadro.com.br/wp-content/uploads/2021/03/ RELAT%C3%93RIO.pdf. Acesso em: 07.04.23.

_____ . História da Maçonaria Brasileira para adultos. Londrina, PR: A Trolha, 2017.

MORAIS, Cassiano Teixeira de (Org.). Maçonaria: perspectivas para o futuro. Ed. ampliada. Brasília: CMSB, 2020. Versão impressa.

_____ . Evasão Maçônica: causas & consequências. Brasília, DF: DMC, 2017.

ORWELL, George. 1984. 29ª Ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 2005.

PINHEIRO, Ivan A. Produção Intelectual Maçônica no Brasil: um recorte a partir dos concursos promovidos pela CMSB em 2020, 2021 e 2022 – I/II. Edições “Universum”, Ed. 45, janeiro 2023, p. 25-56. Porto Alegre, RS: GLMERGS, Loja de Estudos e Pesquisas Universum n0 147.

_____ . Buscadores da Verdade … Sois Mesmo? Revista Ad Lucem, vol.1 n. 2, p.14-28, Mai/Ago, 2021.

_____ . O Homem (maçom) de um Livro Só. Publicado nas redes sociais em agosto, 2021a. Disponível em: ivan.pinheiro@ufrgs.br.

PINHEIRO, Ivan A.; ROCHA, Rogério H. C. Considerações Sobre a Iniciação Maçônica de Voltaire. Disponível em: https://www.facetubes.com.br/noticia/3600/ivan-apinheiro-a-rogerio-rocha-qsobre-a-iniciacao-maconicade-voltaireq. Acesso em: 05.04.23.

SILVA, Claudia N. da; MONTEIRO, Fernando. Maçonaria e maçons: entre a fala assistencialista e a prática da assistência social como política pública. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais – RBHCS, v. 10, n. 19, jan.- jun., 2018.

STEVENSON, David. As Origens da Maçonaria – o século da Escócia (1590-1710). São Paulo: Madras, 2009.

URBIM, Carlos. Os Farrapos. Porto Alegre: Zero Hora, 2003. Livro cortesia aos assinantes.


Originalmente publicado em:

https://bibliot3ca.com/a-maconaria-no-diva-as-perspectivas-e-as-contribuicoes-dos-nao-macons/ 

Obs.: possui Licença Creative Commons

Postagens populares

Total de visualizações de página

Páginas